A inauguração da Feira decorreu na presença do Presidente
da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tal como aconteceu em
anos anteriores, intitulando-se, à partida, como sendo a «segunda maior edição
da história», pois só em 2019 é que teve mais pavilhões do que este ano, ao
contar com 325 pavilhões de 131 expositores e 744 marcas editoriais, segundo a Associação
Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), que a organiza com
apoio do município (ler mais aqui).
E eu posso comprovar que foi necessário o uso de máscara
para aceder ao recinto, mas também a manutenção do distanciamento entre
pessoas, nomeadamente aquando, por exemplo, das sessões de autógrafos, tendo
tido aí a grande oportunidade de conhecer pessoalmente a autora do livro “O
manifesto dos bichos nojentos”, Sandrina Martins!
Neste sentido, não perdi também a oportunidade de lhe lançar
algumas questões sobre o seu mais recente projeto de vida, em resultado de um
concurso de literatura, para o qual não ganhou, mas que mais tarde foi
contactada pela editora em causa para a publicar, tendo ainda, no passado dia
25 de setembro, na intitulada 3ª Gala dos Troféus Cordel d´ Prata, ganho
um Troféu na Categoria Infantil, desejando-lhe as maiores
felicidades!
1. Quem é Sandrina Martins e quais é que foram as motivações para a criação do livro “O manifesto dos bichos nojentos”?
Sandrina
Martins: Sou formada em Ensino de Biologia e Geologia e professora
há 21 anos no ensino público. Para além desta parte profissional, sou uma
pessoa prática, simples, que adora humor e atenta ao que me rodeia.
A motivação para escrever esta história partiu do meu filho mais velho em 2014 (na altura tinha 5 anos). Sempre foi um rapaz com umas observações muito pertinentes sobre a vida e um dia disse-me que nas histórias infantis, apareciam sempre os mesmos animais: coelho, raposa, lobo, urso, leão, baleia, etc…Não havia histórias com bichos nojentos! Na verdade, tudo começou numa brincadeira entre mãe e filho. Fizemos uma pequena lista dos bichos que ela considerava nojentos, e num caderno, escrevemos umas quatro estrofes (a história é em rima, mas já nem sei bem porque optámos por este estilo!). Fui escrevendo a história aos poucos e sozinha, porque ele achou que era muito difícil e não quis continuar a parceria! Enviei-a no ano passado para um concurso de literatura infantil e não ganhei, mas umas semanas mais tarde fui contactada pela editora para a publicar.
2. Sendo um livro dirigido a crianças, qual é que foi a principal mensagem que lhes quis passar? E será que já pensa em escrever um segundo livro?
Sandrina Martins: A disciplina que leciono continua a despertar a curiosidade da maioria dos alunos e por isso, nas aulas, também me deparo com questões várias para dar resposta. Não é a primeira vez que os alunos me questionam sobre qual a importância de existirem moscas, mosquitos, melgas, baratas, etc. No imediato, para eles e também para a grande maioria dos adultos, são animais insignificantes que simplesmente incomodam e que temos nos livrar deles a qualquer custo. A mensagem do livro passa por mostrar que estes animais têm uma grande importância ecológica e que a sua presença é fulcral para manter o equilíbrio dos ecossistemas. Acho que é fácil para todos compreender a importância dos animais maiores, porque convivem connosco e dão-nos alguma coisa. O entendimento já não é o mesmo com insetos ou pequenos répteis.
Quanto a um
segundo livro, há umas ideias na calha…sempre andando pelo mundo natural!
3. De facto, não nos podemos esquecer que os seres humanos e a natureza fazem parte de um enorme sistema global e interconectado entre si, em que a natureza fornece comida, ar, água e muitos outros benefícios que permite ao mundo prosperar; mas nós, os seres humanos, será que temos contribuído o bastante para conseguir contabilizar e gerir o capital natural de uma forma otimamente sustentável e a longo prazo?
Sandrina
Martins: Obviamente que o nosso contributo para esta gestão está
aquém do esperado e são muitos os exemplos que temos visto. Encontrar um
equilíbrio entre o desenvolvimento tecnológico/industrial e o meio ambiente não
é conseguido de forma fácil, e na balança, muitas vezes quem perde é o
ambiente. Há muito a fazer para tornar o planeta mais sustentável. Mas sou uma
otimista, e vejo que a preocupação que existe hoje para atingir a
sustentabilidade é muito maior do que há uns anos. Há uma maior sensibilização
e consciencialização por parte das pessoas. Espero que consigamos e que não
cheguemos a um ponto de não retorno.
4. Por outro lado, digamos que a Pandemia trouxe também uma outra questão bastante pertinente: podemos ler aqui que “as doenças transmitidas de animais para seres humanos estão em ascensão e pioram à medida que habitats selvagens são destruídos pela atividade humana”. E se, "como regra geral, o consumo de produtos de origem animal crua ou mal cozida deve ser evitado”, então “carne crua, leite fresco ou órgãos de animais crus devem ser manuseados com cuidado para evitar a contaminação cruzada com alimentos não cozidos", tal como mencionou a própria Organização Mundial da Saúde, concorda?
Sandrina Martins: Concordo, sim. A transmissão de vetores patogénicos para a espécie humana irá sempre acontecer, não o poderemos evitar por completo. A higiene e segurança alimentares desempenham um papel preponderante nesta questão e estes cuidados devem chegar às pessoas de uma maneira séria e esclarecedora. Para minimizar esta situação, o caminho está na mudança de hábitos alimentares e quando falamos em mudança, implica sempre o fator tempo. As mudanças não são tão rápidas como o desejado. Penso que será utópico achar que todos nos deveríamos tornar vegetarianos ou vegans, mas se iniciarmos com mudanças pontuais, consumindo de forma mais saudável, cuidada e sustentável, com certeza conseguiremos alterar alguma coisa. O nosso organismo não pede para consumirmos carne/peixe todos os dias da semana. Há alternativas e que podem ser introduzidas na nossa alimentação, basta querer e experimentar!
5. Já agora, o que também tem a dizer sobre o facto da Direção-Geral da Alimentação e Veterinária ter aprovado, recentemente, o consumo de sete espécies de insetos, ao inserir Portugal no período transitório da União Europeia?
Sandrina Martins: É uma
ideia que não me perturba, sabendo que é a base de alimentação de milhões de
pessoas no Oriente há anos. Aplicando-se todas as regras corretamente (pode
haver alergias e isso deve estar evidente nos rótulos dos produtos), não vejo
qualquer problema. Eu própria tenho alguma curiosidade em experimentar!
6. Todavia, até que ponto é que, no seu entender, as pessoas, em geral, no nosso país, vão agora optar por escolher algumas iguarias, num restaurante qualquer, incluindo larvas ou gafanhotos, ainda que sejam alimentos bastante comuns e apreciados no Oriente
Sandrina Martins: A procura ou adesão não será imediata, pois há preconceitos e barreiras a ultrapassar. No entanto, o ser humano é um animal de hábitos e acho que vai acontecer o mesmo que sucedeu com a comida japonesa – primeiro estranha-se e depois entranha-se! Quem em Portugal, há mais ou menos 30 ou 40 anos, estaria disposto em comer peixe cru? Quase ninguém! Estamos em 2021, e continuam a abrir-se no país, espaços de restauração de comida japonesa e os amadores desta gastronomia são cada vez mais numerosos.
7. Há quem defenda que são um tipo de alimento altamente nutritivo, contendo gordura e proteína, mas será mesmo assim?
Sandrina
Martins: A FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e
Agricultura), organismo credível, em 2013 publicou uma informação realçando a
importância do consumo de insetos enunciando vários aspetos positivos em termos
de preservação ambiental, nutrição e do ponto de vista social e da
subsistência. Focando no aspeto do consumo, o valor nutritivo dos insetos
dependerá do seu estado de desenvolvimento (metamorfose), do seu habitat e do
próprio modo de alimentação. Já foi reconhecido que fornecem uma elevada
qualidade de proteínas e gorduras e outros nutrientes de qualidade, e que não
são encontrados no peixe ou na carne. É ainda de realçar a existência de
micronutrientes como o selénio, o zinco e o manganésio, de que necessitamos em
quantidades reduzidas, mas que a sua falta pode provocar graves carências com
consequências na saúde em termos neurológicos e cognitivos, por exemplo. Ao
contrário dos restantes animais, os insetos têm um risco reduzido de
transmissão de doenças zoonóticas, como a gripe H1N1 ou a BSE.
Do ponto de vista ambiental (levando agora a conversa para a preservação, tal como no meu livro), a pegada ecológica que resulta da criação de insetos é substancialmente menor do que a pegada ecológica da criação do gado.
8. Para finalizar: o que é que a Pandemia
ensinou aos autores, mas também aos leitores?
Sandrina
Martins: Não consigo falar pelos outros, mas por mim, consigo
retirar algumas ilações. Sou uma recém-autora e tudo isto é muito novo para
mim. Mas a pandemia ensinou-me a apostar em mim e a levar-me a fazer algo que
me satisfizesse, que fosse uma total novidade e que sobretudo fosse útil, e
creio que o consegui com este livro, pois tenho recebido críticas agradáveis.
Devo dizer que se não tivesse dado de caras com a publicitação do concurso nas
redes sociais, dado o tempo que passei no computador no último ano e meio, a
minha história continuaria na gaveta.
Como leitora,
trouxe-me o tempo que eu nunca encontrava, para me aventurar em descobrir novos
assuntos, novos interesses.
No geral, acho que a pandemia fez-nos parar (literalmente) e com esta paragem alargámos horizontes. Ganhámos tempo para ver e apreciar outras coisas. Eu senti mesmo isso!
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