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quarta-feira, 23 de março de 2022

“Pé-de-leão ” por Miguel Boieiro

Calcorreando mundo, dilatamos saberes que nos tornam mais humildes e tolerantes face às diferenças e aos fenómenos inabituais do nosso quotidiano. Insiste-se que a diversidade é uma característica que deveremos encarar como riqueza e não como ameaça. 

A participação no 96º Congresso Alemão de Esperanto, realizado em Neumünster de 7 a 10 de junho de 2019, bem como os salutares convívios daí resultantes, fortaleceram ideias e acrescentaram conhecimentos, robustecendo assim o nosso ânimo para porfiar na busca de novas aprendizagens. Mas não vamos enfastiar os queridos leitores com narrativas detalhadas sobre mais este notável congresso do idioma internacional, paradigma da paz e da amizade, nem com as interessantes visitas culturais às cidades de Neumünster, Lübeck, Buxtehude e Hamburgo, até porque o contexto da presente croniqueta reside essencialmente na fitoterapia.

A vegetação que nos foi dado observar no norte da Alemanha neste fim de primavera é substancialmente diferente da verificada em Portugal. A verdura é uma constante e as plantas, de tão viçosas, irradiam felicidade. Caminhando cerca de 8 quilómetros na periferia do lago Einfelder, verificámos a exuberância das espécies arbóreas: choupos, áceres, castanheiros-da-índia, carvalhos, amieiros, salgueiros, bétulas, robínias, sabugueiros, tílias, rododendros, faias, espinheiros-alvares e quanto a ervinhas simples: milefólios, milfuradas, dentes-de-leão, artemísias, pés-de-leão, labaças, urtigas de folha pontiaguda,… Árvores de fruto só enxergámos macieiras, pereiras, cerejeiras e ameixeiras. Também avistámos extensos trigais já com as espigas a amadurecer e, surpreendentemente, campos de milho a brotar em leiras espaçadas.



Como de costume, de entre tanta diversidade, vou escolher uma espécie das que mais me fascinaram, para aprofundar conhecimentos sobre os seus méritos. Subsistiram diversas hipóteses: sabugueiros proeminentes e abundantemente floridos? Lindos rododendros com as suas flores lilases? Avantajadas tileiras? Não! Desta feita, escolho uma erva. Vai ser o pé-de-leão.

Encontra-se, com frequência a Alchemilla vulgaris, da família botânica das Rosaceae, no norte da Europa incluindo a Islândia e a Gronelândia. Em Portugal é bastante rara, sendo inexistente na região mediterrânica. Todavia, há algumas referências no Alto Alentejo (Dr. Oliveira Feijão) e uma subespécie, Alchemilla transiens, na Serra da Estrela (site Flora-on).

Eis a descrição da que vimos frequentemente no norte da Alemanha: erva perene que pode atingir 40 cm de altura com rizoma lenhoso e caule ereto. As folhas de verde-claro são grandes, nervadas, pilosas, arredondadas, palmadas e bastante pecioladas. As flores, que se agrupam em panículas no cimo do caule, são pequenas, sem pétalas, de cor verde-amarelada. A característica inconfundível do pé-de-leão é o facto de as suas folhas fixarem as gotas da chuva e do orvalho, o que deu azo a grandes lucubrações durante os tempos antigos. Acreditavam os alquimistas que essa água pura armazenada nas folhas seria matéria-prima para alcançar a famigerada pedra filosofal.



O prestígio da planta nesses tempos medievais era também grande devido à utilização no tratamento dos transtornos femininos: menstruações dolorosas, menopausas, irritações vaginais e outros problemas ginecológicos. Pensava-se, inclusive, que podia servir para recuperar a virgindade perdida e tornar os seios mais atraentes após a aleitação.

Quimicamente, o pé-de-leão, ou manto-da-senhora, como se designa em alemão e noutros idiomas, contém taninos, ácido salicílico, ácido palmítico, ácido esteárico, saponósidos e resinas.

Entre as propriedades mais conhecidas desta planta medicinal conta-se a de ser adstringente, hemostática, analgésica, cicatrizante, bactericida, tónica e reguladora da circulação sanguínea, melhorando a elasticidade venosa.

Para além das suas comprovadas qualidades para tratar dismenorreias e leucorreias é também útil nos casos de cistites, úlceras varicosas, gotas, diarreias, colites crónicas, gastrites, irritações da garganta, úlceras cutâneas, anginas, diabetes, obesidade,…

O pé-de-leão pode ser utilizado em infusão, deitando água fervente para cima da planta fresca (uma folha basal ou sumidade florida por chávena) ou em decocção (50 g da planta seca para um litro de água, ferver durante 5 minutos e repousar 10 minutos). Deve-se tomar três chávenas por dia antes das refeições.

Externamente (uso tópico) pode-se aplicar em compressas, lavagens, gargarejos e irrigações vaginais.

Agradeço à minha amiga Jutta Chikato, que por três dias nos alojou principescamente na sua residência, o facto de me ter chamado a atenção para esta útil plantinha que vicejava no seu jardim.



Miguel Boieiro

(texto da autoria de Miguel BoieiroVice-presidente da Direção da SPN)

 

 

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