Fascinado pela recente leitura das novelas “Filhas de Babilónia” de Aquilino Ribeiro que amiúde encima os capítulos com pequenos introitos em francês, também este modesto cronista resolveu encetar o seu prosaico texto à laia do mestre. Ele escreveu as três novelas por volta de 1920 e, compreende-se, nesse tempo, o francês era a língua franca, culta e prestigiada por excelência, que estava na moda, ao invés do que hoje acontece.
A singela quadra com que se inicia a presente croniqueta, retrata habilmente a importância das ervilhas na alimentação dos pobres
camponeses em plena idade média. Bastavam ervilhas, pão de cevada (o do trigo
era para a nobreza), toucinho, vinhaça e algumas moedas e podia-se dizer que
bastava para viver, caso não subsistissem dívidas.
De facto, a ervilheira, da família botânica das Fabaceae, a que foi atribuído o nome
científico de Pisum sativum, foi sempre
uma planta importante na subsistência alimentar desde os primórdios da
Humanidade. Atualmente, face ao acesso fácil a alimentos proteicos nos países
economicamente desenvolvidos, o seu protagonismo histórico está deveras
olvidado, mas julgamos pertinente focar esse aspeto fulcral das sementes da
ervilheira, as tão conhecidas ervilhas.
Escavações arqueológicas efetuadas em países da bacia
mediterrânica atestam que as ervilhas já eram consumidas, a par dos cereais
como o trigo e a cevada, há pelo menos 10 mil anos, ou seja, na época neolítica.
Durante a antiguidade clássica e, mais tarde, em toda a Idade Média, as ervilhas
foram um alimento-base, sobretudo no continente europeu e nas regiões do
próximo oriente.
Herbácea anual, a ervilheira é uma trepadeira com um sistema
radicular pivotante muito ramificado na parte superior do solo. Os caules são
frágeis, angulares e ocos com entrenós. As folhas dispõem-se em folíolos
sésseis que terminam em gavinhas. As flores são papilionáceas com cinco pétalas
brancas ou arroxeadas (variedade arvense) que aparecem nas axilas da folhagem.
Os frutos são as vagens que comportam sementes lisas e redondas ou enrugadas. A
planta é muito sensível à salinidade e à extrema acidez dos solos.
A ervilha seca possui uma elevada concentração de proteínas
puras que podem ultrapassar os 30%. Nesse âmbito, registe-se que é a leguminosa
com a maior quantidade de lisina, um aminoácido essencial. Detém ainda
ácido fólico, hidratos de carbono, betacaroteno, vitaminas B1, B2, B3, C, E, K,
magnésio, ferro, zinco, potássio, cálcio e ferro, sendo, vantajosamente, pobre
em sódio.
Previne diabetes, favorece a visão, fortalece os ossos, os
músculos e o sistema imunitário, ajuda a digestão e a perda de peso. Na área da
fitoterapia há ainda a referir que a farinha da
ervilha é muito adequada para
confecionar cataplasmas emolientes destinadas aos problemas dermatológicos e,
segundo parece, há estudos comprovando que substâncias extraídas das sementes
têm propriedades contracetivas.
São muito vastas as receitas culinárias em que as ervilhas secas ou verdes são utilizadas em sopas, purés e refogados, nos países europeus, China, Japão, Tailândia, Índia, Tunísia, Argélia (Ver “Traité de Culture Potagère por l’Afrique du Nord”, publicado em 1944, que dedica 15 páginas só ao cultivo das ervilhas), Canadá (principal produtor mundial), etc., etc. Na Alemanha, é muito popular a “Erswurst” que é uma espécie de salsicha vegetariana elaborada a partir da farinha de ervilha. Menciona-se, ainda, o consumo da ervilha torta (sugar pea, em inglês, mange-tout, em francês) em que a ausência de cartilagens na vagem propicia o seu consumo integral incluindo a própria casca quando ainda se encontra imatura. Encontrei também uma breve referência ao consumo dos rebentos da ervilheira, hipótese com que, à partida, não simpatizo porque acho um infanticídio, impossibilitando a obtenção dos grãos.
Acrescente-se que, esta simpática leguminosa, tal como as
demais, fixa em simbiose o azoto através da bactéria ”Rhizobium” instalada nos nódulos das raízes, enriquecendo, por essa
forma, a fertilidade dos solos.
Devido à grande diversidade genética das ervilhas, seria
imperdoável não mencionar que foi a partir do seu estudo que, no século XIX,
Mendel estabeleceu as primeiras leis da genética moderna.
Por fim, há ainda a destacar a simbologia das ervilhas na
heráldica, literatura, canto, pintura e noutras modalidades artísticas.
Veja-se, por exemplo, os contos de Hans Christian Anderson e o famoso quadro de
Picasso “Le pigeon aux petits pois”, avaliado em vários milhões de euros.
Posto isto, vamos lá a olhar para as ervilhas com outros
olhos!
Miguel Boieiro.
(texto da autoria de Miguel Boieiro, Vice-presidente da Direção da SPN)
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