Foram os portugueses de quinhentos os primeiros europeus a chegar ao extremo oriente. De lá trouxeram e divulgaram, pelo resto do mundo, plantas, frutos, especiarias, ideias e costumes até então pouco conhecidos, ou mesmo ignorados na velha Europa.
No decurso dos séculos, a China, a Coreia, o Japão e a Índia
lograram manter o seu encantamento e ampliaram decisivamente os prismas de
observação da vida, como um todo holístico, até então muito rígidos no
ocidente, em parte devidos a uma sobranceira, mas também castradora, filosofia
judaico-cristã.
No tocante à botânica e à fitoterapia, alargaram-se
conhecimentos e vêm-se consolidando gradualmente métodos de tratamento no que
toca à saúde física, mental e espiritual, que antes eram considerados no ocidente
como de pura charlatanice. Ainda hoje, as centrais mediáticas que servem o
imperialismo capitalista intentam turvar as mentes, denegrindo, inventando
factos e apresentando hipóteses pouco plausíveis e adversas ao uso do
raciocínio para tudo o que chega dessas terras. Eis dois meros exemplos de
dolorosa realidade: Teriam sido os pangolins, bichos desconhecidos, feios e
maus, comidos por chineses, que transmitiram o coronavírus aos humanos?
Acredite quem quiser! O surto nativo dessa globalizada doença teria mesmo
começado na província chinesa de Hubei (cidade de Wuhan)? Ficam as dúvidas para
quem pretenda refletir.
E então a nespereira? Ora sentem-se para não caírem! Pois a
nespereira, espécie alóctone no continente europeu, é originária da região de
Hubei (a tal do coronavírus) e vejam lá como tudo se interrelaciona neste mundo
cada vez mais uno e globalizado. Ela dá pelo nome científico de Eriobotrya japonica, mas contrariamente
ao que a designação indica, foi na China que brotou pela primeira vez, embora o
Japão seja atualmente o principal produtor. Trazidas para o continente europeu,
provavelmente pelos portugueses, as nespereiras foram plantadas em 1784 no “Jardin
des Plantes de Paris” e, três anos mais tarde, no “Kew Gardens” de Londres,
disseminando-se depois, como uma verdadeira pandemia, por praticamente todo o
mundo. A enorme resiliência desta Rosaceae
quase substituiu a Merpilus germanica, esta autóctone da Europa, a qual foi perdendo
protagonismo face à pujança da sua irmã oriental.
Dos muitos livros de fitoterapia que consultei, pouquíssimos
referem as nêsperas como virtuosas para a manutenção e o reforço da saúde
humana. No entanto, um encadeamento de felizes circunstâncias ajudou-me a
atingir o desiderato pretendido. Ora vejam! Quando em 2005 visitei Goa, travei
conhecimento com o ilustre engenheiro silvicultor e notável investigador,
Fernando do Rego com quem tenho mantido frutuosas conversações, via “internet”.
Pois este amigo, leitor assíduo dos meus despretensiosos escritos, sugeriu que
também os enviasse ao Professor José Mendes Ferrão, consagrado cientista do
ramo da botânica, mormente no tocante à vegetação tropical, que para além de
muitos cargos e distinções internacionais foi, nos tempos idos, reputado
Secretário de Estado da Agricultura. Quis também o destino que ao passar num
alfarrabista me deparasse com três volumes da primorosa obra “Fruticultura
Tropical – Espécies com frutos comestíveis”, de sua autoria. Fascinado, comprei
logo os três preciosos livros pelo módico preço de 7,5 euros cada um. Foi no
volume II, editado em 2001 pelo Instituto de Investigação Científica Tropical
que encontrei a melhor descrição da nespereira. Transcrevo, com a devida vénia,
apenas uma pequena parte: árvore
geralmente de pequeno porte, de folhagem persistente, tronco ramificado,
ritidoma acinzentado, ligeiramente fissurado… folhas alternas, inteiras,
lenticulares ou elípticas, coriáceas… flores brancas ou amarelo-claras,
odoríferas, reunidas em panículas terminais… fruto de formas e tamanhos muito
variáveis, esféricos, ovais, piriformes, de cor amarelo-claro, ambarina ou
alaranjada carregada, conforme as variedades…
E não digo mais, pois creio que todos conhecem as
características físicas da nespereira e dos seus frutos.
As nêsperas, de sabor agridoce, possuem açúcares, pectinas,
potássio, cálcio, magnésio, fósforo, vitamina B6 e pro vitamina A, entre outros
elementos.
Propriedades
medicinais: expectorante, diurética, laxante, regenerativa, purificadora do
sangue, atenuante dos problemas digestivos e do sistema respiratório
(rouquidão, tosse, faringite), da obesidade e da tiroide.
No campo alimentar, para além da excelência da fruta fresca e
bem madura, são notáveis as suas compotas, “chutneys” e xaropes. Os italianos
preparam o famoso licor nespolino a partir dos caroços das nêsperas. Alerto, no
entanto, para o facto de que esses caroços, por sinal bem grandes, têm na sua
composição algum cianeto, tal como as sementes das peras e das maçãs. Felizmente
que a sua baixa concentração não acarreta qualquer perigo de intoxicação.
As nespereiras são também muito apreciadas como pequenas
árvores na ornamentação de jardins, dado serem de fácil germinação, não
necessitarem de grandes cuidados de manutenção e apresentarem um porte deveras original
comparado com o de outras espécies.
Resta-me agradecer ao Professor José Mendes Serrão que, ao
analisar as minhas croniquetas botânicas, me vem, no alto da sua sapiência e
experiência, apresentando úteis comentários e conselhos para aprimorar a
escrita e corrigir desajustes sempre usuais a quem, não sendo especialista, se
aventura nos meandros complexos do reino da botânica.
(texto da autoria
de Miguel Boieiro, Vice-presidente da
Direção da SPN)
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