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sábado, 7 de maio de 2022

O apicultor João Sanches em Entrevista à Revista P´rá Mesa por Sandrina Martins!








O fabuloso destino das abelhas!


1. Em primeiro lugar, quem é o João Sanches?

João Sanches: Um pequeno apicultor que já quis ser grande. Em 2019 iniciei uma redução drástica de enxames.


2. A partir de quando é que te começaste a interessar pelo mundo das abelhas?

João Sanches: Apesar de ter tido muita curiosidade pela apicultura, desde tenra idade, apenas comecei com as primeiras 10 colmeias aos 45 anos de idade.


3. Em que região do país possuis as tuas colmeias?

João Sanches: Atualmente, tenho colmeias nos distritos de Leiria e Santarém. Daqui a algumas semanas, quando a meteorologia for favorável, vou fazer transumância e levar colmeias para o distrito da Guarda. Já cheguei a ter colmeias nos distritos de Évora e Castelo Branco. Mas fui obrigado a reduzir ao mínimo, pois, para além dos crescentes aumentos dos custos de produção, nomeadamente dos combustíveis, há os longos períodos de secas, o perigo de incêndios, os roubos de colmeias e doenças. Vivemos uma luta contra a vespa asiática (velutina) que tem destruído até 50% dos enxames e anulado a produção de mel e pólen. Para dificultar ainda mais, o mercado está inundado de mel chinês, mais barato.


4. Em termos de produção, num ano considerado bom, qual a quantidade de mel que  consegues obter?

João Sanches: Nos melhores anos consegui cerca de 10.000 Kg, entretanto, desde 2017, a produção tem vindo  a cair abruptamente.



5. As pessoas mais próximas da vida do campo compreendem perfeitamente a importância das abelhas no equilíbrio e sustentabilidade dos ecossistemas, e por isso reconhecem o seu valor. Quem não está próximo sabe que são responsáveis pela polinização e pouco mais. Saberão ao certo o que isso implica? Como podes explicar a importância que estes insetos têm e, sobretudo, qual o verdadeiro impacto do seu declínio?

João Sanches: Existe uma citação atribuída a Albert Einstein que diz: “Quando as abelhas desaparecerem, o homem viverá mais quatro anos”. 


6. Este ano, passámos por um outono ameno e um inverno seco. Há umas semanas falava-se, na televisão, em apicultores obrigados a dar açúcar para manter as colmeias. Já te encontraste nesta situação? E até que ponto esta situação é comportável para um apicultor?

João Sanches: Claro que as abelhas de que eu cuido, sofrem as mesmas dificuldades, como já referi, tenho abelhas em diversas regiões, mas as dificuldades são semelhantes. As secas têm sido mais sentidas no interior. Mas as vespas asiáticas fazem mais estragos no litoral centro. A alimentação artificial, quer seja com açúcar, quer com alimentos mais adaptados e especialmente produzidos para as abelhas, é fundamental para poder garantir a sua subsistência.


7. Vamos falar agora dos produtos que as abelhas nos dão. Não é só o mel, pois não?

João Sanches: Não, as abelhas produzem muito mais do que o mel. Mel, cera, própolis, pólen, apitoxina* (veneno de abelha), geleia real e ar da colmeia.

No entanto, o mais importante para a natureza e para a humanidade, é o seu trabalho, a polinização, quer das plantas silvestres, quer das plantas agrícolas.



8. Quais são os verdadeiros benefícios para a nossa saúde que podemos retirar desses produtos?

João Sanches: Existem muitos estudos recentes acerca dos benefícios dos produtos das abelhas para a nossa saúde. De qualquer modo, há mais de 10.000 anos que o Homem usa os tais produtos por saber que lhe faziam bem. O uso desses produtos diminuiu após o desenvolvimento de medicamentos farmacêuticos, principalmente no séc. XX.

Os egípcios usavam o mel e o própolis como medicamento e também como produtos de embalsamento funerário. Nos túmulos/pirâmides foi encontrado mel em potes, cristalizado, mas, sem estar estragado. O mel, quando é de boa qualidade e é guardado hermeticamente, não se estraga. O mel é fundamentalmente néctar desidratado pelas abelhas.

O mel tem propriedades desinfetantes e cicatrizantes, assim como o própolis que também é antibiótico. O pólen é proteína pura. Todos reforçam o nosso sistema imunitário. O mel foi muito usado para curar queimaduras da pele, escaras e outras feridas difíceis de curar.

As mulheres sempre usaram mel para ter uma pele mais macia. Eu, muito que uso o extrato de própolis para desinfetar feridas, curam muito mais depressa do que com desinfetantes químicos.

A cera foi encontrada em orifícios nos dentes de esqueletos do Paleolítico. Eu mastigo e engulo alguma, dizem que faz bem às gengivas, dentes e trato intestinal.

A geleia real está na moda, basta procurar nas secções de produtos dietéticos dos supermercados para encontrar uma grande variedade de produtos que “dizem” conter geleia  real. Eu tenho algumas reticências… Não conheço nenhum apicultor em Portugal que produza  geleia real.

Respirar o ar da colmeia também tem vindo a ser usado nos países do norte da Europa, para  tratar doenças respiratórias.

O pólen, além de reforçar o nosso sistema imunitário, ajuda na eliminação de gorduras. Basta fazer uma busca na internet e encontramos milhares de fontes acerca do assunto.


9. Há uns méis melhores que outros? Por exemplo, o mel de flores do campo é melhor do que o mel de acácia?

João Sanches: Existem méis (ou meles) monoflorais e multiflora, e também existem as meladas. Em Portugal não conheço mel de acácia. As acácias que conheço, são infestantes, não produzem néctar, pelo menos em quantidade suficiente para que as abelhas dele façam mel. vi mel de acácia à venda com origem em países da Europa de Leste.

Em Portugal, as flores mais melíferas são o eucalipto, o rosmaninho, a urze, a soagem, o trevo, o medronho, o castanheiro, o cardo, o poejo, o orégão, a laranjeira e mais alguns…

O carvalho-negral e a azinheira dão meladas. É doce, mas não tem origem no néctar das suas flores, a origem é a seiva, no entanto, as abelhas só a conseguem extrair com a ajuda dos pulgões.


10. Consegues identificar ao certo, a partir de que plantas é feito o mel que as tuas abelhas  produzem?

João Sanches: Sim, além das análises laboratoriais que se podem fazer, por norma, o apicultor conhece a flora que circunda os apiários, quando se inicia e quando termina cada floração de cada espécie. Também sabe que as abelhas vão normalmente até 3 Km de distância, em caso de  escassez, podem ir até 5 Km de distância da colmeia. As colmeias são constituídas pelas caixas base, os ninhos, onde as abelhas se reproduzem. Quando o ninho está cheio, o apicultor coloca caixas vazias onde as abelhas irão armazenar o mel que será recolhido no final da floração que estiver a ocorrer.

Claro que para haver mel monofloral, tem que haver uma grande quantidade de flores dessa espécie e num determinado período. Por exemplo, o eucalipto, normalmente, floresce entre outubro e fevereiro, se no final da floração o apicultor recolher o mel, esse mel é maioritariamente de eucalipto.

Se não existirem florações fortes e abundantes de uma única espécie e houver uma grande variedade de flores, então o mel será multifloral.


11. Existe algum mel mais raro de obter, ou existe o “melhor mel do mundo”?

João Sanches: Existem várias teorias, nos últimos anos tem-se falado muito do mel de manuka produzido nas montanhas na Nova-Zelândia, o mais caro é produzido em cavernas da Turquia. Mas existe muito marketing no meio. O melhor mel é o puro.



12. Dizem que o mel não tem prazo de validade. Quando cristaliza, isso altera as suas propriedades nutritivas?

João Sanches: Legalmente, atribuíram 2 anos de validade ao mel, mas como tinha dito, o mel puro, quando bem-acondicionado, pode ser consumido após muitos anos.

A cristalização do mel é um processo natural que ocorre com a descida da temperatura. A glicose separa-se da frutose, formando cristais. A velocidade dessa cristalização varia com a origem floral, o pólen e o néctar das flores utilizado pelas abelhas para produzir o mel. O mel, puro e de qualidade cristaliza, enquanto que o mel sobreaquecido não costuma cristalizar e indicia perca de qualidade e propriedades. O mel cristalizado e o líquido têm as mesmas propriedades nutricionais e energéticas. Com a cristalização, o mel fica com aspeto cremoso, apresentando formação de cristais em todo o frasco ou apenas em parte dele, porém, sem alterar suas propriedades, podendo ser consumido normalmente. Agora, como tornar mel cristalizado em mel líquido? Banho-maria é uma solução muito utilizada para tornar o mel cristalizado em mel líquido. Consiste em aquecer o mel dentro da embalagem em água até este ganhar a consistência desejada. Também se pode expor ao sol. Estes processos não danificam o mel, apenas modifica o estado em que ele se encontra. Porém, é preciso realizar esta operação com cuidado, o mel não deve ser aquecido acima dos 45ºC, para não destruir, ou alterar as enzimas, açúcares naturais e vitaminas. Com o tempo o mel poderá voltar a cristalizar, pois é uma característica natural do mel. Micro-ondas, não é aconselhado utilizar, devido a alta potência é bem provável que o mel seja sobreaquecido, perdendo assim anular as suas principais propriedades.


13. Para finalizar, que apelo queres deixar às pessoas para que passem a ver as abelhas com real admiração e profundo respeito?

João Sanches: Sabiam que, 50 g de mel, requer 1152 abelhas que viajam 180,246 Km e visitam 4,5 milhões de flores? Sabiam que uma abelha obreira vive entre 30 a 45 dias e que, na sua curta vida, no máximo, produz uma colher de chá de mel?

Alerto: sabiam que as abelhas estão a desaparecer? As abelhas e outras espécies de insetos estão a desaparecer, num futuro próximo, as consequências vão ser catastróficas.

Entretanto, o que importa é que a agricultura renda. Para isso usa em grande escala, herbicidas, pesticidas, fungicidas e adubos químicos cada vez mais eficazes no crescimento das produções agrícolas, a agricultura é super intensiva. Paradoxalmente, ninguém parece ter entendido que os insetos polinizadores são fundamentais para o sucesso da agricultura.

Há 10 anos, a cada 300 Km de viagem, entre o Ribatejo e a Beira Alta, tinha que limpar afincadamente os mosquitos da frente do carro (dizíamos mosquitos, mas eram insetos de todas as espécies). Atualmente faço milhares de Km sem necessidade de lavar o para-brisas.

Se tudo ia mal, pior ficou a partir da chegada das vespas asiáticas (velutinas). Em 2018 tinha cerca de 400 enxames, hoje tenho menos de 40. Tenho gasto centenas de euros e muito tempo anualmente no combate à velutina, mas ao fim de 5 anos de luta, tem sido em vão. Tinha a maioria das colmeias no distrito de Leiria e Santarém que estão infestados de velutinas.

Eu, como apicultor, tenho uma história triste para contar: as abelhas estão a desaparecer e ninguém quer saber. Vou continuar a cuidar das abelhas, mas tenho que as colocar em terrenos livres de velutinas e longe de terrenos agrícolas, como no distrito da Guarda, onde as produções de mel são menores. E vou ter que fazer mais quilómetros, o que irá aumentar os custos de produção. Querem ajudar o meio ambiente, querem ser ecológicos? Comprem mel, pólen e extrato de própolis a apicultores locais. Deixem de comprar mel chinês no supermercado. Sim, a maioria do mel vendido no comércio, ou é chinês, ou é misturado com ele. Leiam os rótulos dos frascos: "mistura de méis UE e não UE", perceberam? E se o mel, ao fim de um ano não cristaliza, ou pelo menos não ficar mais espesso, desconfiem da pureza e da qualidade desse mel. O mel chinês tem chegado ao mercado a menos de 2€/Kg, o problema é que esse mel, não é mel natural, muito dele é feito em laboratório.



















Termino com isto:

Há uma obra-prima, a célula hexagonal, que toca a perfeição. Nenhum ser vivo, nem mesmo humano, conseguiu, o que a abelha alcançou sozinha. E se a inteligência de outro mundo descesse e pedisse à Terra a criação mais perfeita, eu ofereceria o humilde favo de mel. 

Maurice Maeterlinck, in The Bee's Life (A Vida da Abelha), 1901.

 

*A apitoxina (veneno das abelhas) é usada como tratamento tópico para a alopecia, vitiligo, dermatite atópica, acne comum e psoríase.


                                     

                                                                            (texto da autoria de Sandrina Martins)


4 comentários:

  1. Parabéns! Bastante pertinente e esclarecedor.

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    1. Muito obrigada pelo seu comentário, convidando-o desde já a ficar a par de outros artigos publicados pela mesma autora convidada, através do link direto http://eepurl.com/hPd-Jj, tendo também acesso direto depois à «área exclusiva» de todos os Subscritores, onde estão Vouchers de Desconto a ver com lojas e restaurantes parceiros da Revista P´rá Mesa, não perca!
      Até breve,
      volte sempre,
      Mónica Rebelo,
      fundadora da Revista P´rá Mesa em www.pramesa.pt e
      detentora do Blog Cozinha Com Rosto em www.cozinhacomrosto.pt

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