segunda-feira, 6 de junho de 2022

Leonardo Alves em Entrevista à Revista P´rá Mesa!

 Todos nós sabemos o quanto é que a alimentação é essencial para o nosso próprio desenvolvimento corporal e intelectual, logo também para todas as crianças e jovens em idade escolar, correto?

Por outro lado, não posso esquecer que um dos meus lemas aqui, na Revista P´rá Mesa, é "nós somos o que comemos”, tratando-se, ao mesmo tempo de um fato científico e devidamente comprovado por vários estudos experimentais, tal como se pode ler aqui:

«A relação entre ingestão alimentar e condições psicofisiológicas do ser humano se dá em todas as etapas de sua vida, mas é na infância que ela assume contornos fundamentais. Isso porque a alimentação é determinante para o desenvolvimento físico e cognitivo dos indivíduos.

Os benefícios que uma alimentação rica e balanceada é capaz de proporcionar na formação dos pequenos são inúmeros, e um dos que merece destaque diz respeito aos efeitos diretos na concentração. Em outras palavras, a nutrição é capaz de influenciar decisivamente a capacidade de foco e de atenção das crianças.»

E, tal como poderão verificar abaixo, um dos mais recentes autores convidados da Revista P´rá Mesa,  Leonardo Alves, simplesmente é alguém bem conhecedor da realidade escolar no nosso país, mas também é natural do Brasil logo, por que não propor-lhe, desde já, meu caro leitor, a leitura atenta da entrevista que eu tive oportunidade de fazer ao mesmo autor, a quem eu agradeço o facto de ter estado disponível para responder a algumas questões?



Acesso a uma mesquita. Istambul. Turquia.


1) Para começar, qual é a sua naturalidade e qual a sua formação profissional?

Leonardo Alves: Sou natural da cidade de Pelotas, estado do Rio Grande do Sul, Brasil.

2) E o que espera do futuro das tecnologias digitais? Será que vão desenvolver-se no sentido de ajudar verdadeiramente o ser humano a comunicar-se melhor com os outros, ou irá, muito pelo contrário, prejudicar severamente a sua relação com o mundo?

Leonardo Alves: Mais do que projetar alguma esperança no futuro das tecnologias, prefiro relacionar a minha resposta a esta questão tão importante para nós, seres humanos, como uma consequência direta do tipo de utilização e a quais finalidades esta mesma utilização servirá.

Como bem sabemos, e as redes sociais não me deixam mentir, os recursos tecnológicos digitais já servem a todo o tipo de finalidades. Da mais nobre, mais criativa, mais inteligente e mais humana à mais perversa, mais mesquinha, mais “tacanha” e menos humana, se assim me é possível descrever uma ação realizada por seres humanos, por mais horríveis que sejam.

Portanto, e apesar dos muitos pesares, acredito que o futuro das tecnologias, principalmente o da internet, fornecerá todas as ferramentas necessárias para aprendermos a lidar melhor  com as questões ambientais e com a sustentabilidade da vida no planeta, bem como contribuir de maneira muito eficaz para acabar, de vez, com a miséria e a pobreza, promovendo, deste modo, a possibilidade do crescimento da prosperidade e da abundância a todas as pessoas que assim entenderem. Como referi, apenas àqueles que assim o entenderem. E é exatamente aí que reside o problema.

3) Até que ponto é que o modelo da educação que continua a aplicar-se na maioria das nossas escolas deveria ser repensado?

Leonardo Alves: O modelo de educação que ainda hoje seguimos nas nossas escolas baseia-se nos princípios da preparação de pessoas no início da Revolução Industrial, na formação dos ‘novos’ trabalhadores de então, os operários, cuja organização do ‘espaço sala de aula’ e do modo de transmissão de conteúdos, era muito semelhante ao que hoje ainda temos, embora na atualidade, já se consiga visualizar, pontualmente, algumas ténues tentativas de mudança, mas ainda muito insuficientes.

As crianças e os jovens atuais, nasceram numa sociedade cada vez mais tecnológica e globalizada, mas os espaços físicos ditos ‘normais’, das escolas e universidades e o modo de ‘dar aulas’, responsável pela transmissão da informação que poderá vir a transformar-se, ou não, em conhecimento, mantém-se semelhantes aos de antigamente.

Ainda ensinamos e aprendemos como os nossos pais, avôs e bisavôs, e isto é inaceitável. É obsoleto!

Repensar e aplicar na prática o produto desta reflexão é muito urgente. Desesperadamente urgente!



4) Aqui pode ler-se que: “Nas últimas semanas tenho sentido os estudantes mais distantes, pouco proativos, respondem a questões apenas quando lhes são diretamente dirigidas. Há um certo isolamento social e o mais grave é que o estudante fá-lo por escolha própria. Com o avançar do tempo de confinamento o seu estado emocional tem-se alterado bastante, particularmente ao nível da ansiedade e tensão e especialmente devido às avaliações finais que se aproximam. – Psicóloga Vera Monteiro”. Nesta medida, até que ponto é que o processo de desconfinamento conseguirá resolver tudo?

Leonardo Alves: É expectável e compreensível que os alunos se tenham mantido mais distantes e menos proativos durante o tempo de confinamento em que foram, do dia para a noite, obrigados a se sujeitar. Muito deste distanciamento deve-se a diversos fatores, nomeadamente, a) dificuldade de adaptação à ausência do espaço físico ‘sala de aula’; b) ausência presencial física forçada do professor; c) impossibilidade de acesso a internet e aos recursos digitais necessários para o ensino à distância, identificados em muitas famílias carenciadas ao longo do confinamento; d) baixo nível de literacia digital de muitos alunos e professores(as), o que dificultou ou mesmo impediu o desenvolvimento de um processo minimamente ‘normalizado’, de ensino-aprendizagem; e) e por fim, o mais importante de todos, segundo a minha perspetiva, ao que denominamos distanciamento social, prefiro denominar ‘falta de motivação, desinteresse pela escola’, por tudo o que deveria ser e não é, segundo a ótica de muitos alunos e não apenas. A partir de tudo o que acima enunciei, não é difícil de se concluir que muitos alunos se sintam ansiosos e tensos, inclusivamente frustrados, sem verem a utilidade da Escola para as suas vidas pessoais e profissionais.

5) E, na sua opinião, quem é que teve a melhor infância: as crianças de hoje ou as de antigamente?

Leonardo Alves: Esta questão é muito relativa, já que os tempos e as condições económicas são diferentes. Se olharmos superficialmente para os dois tempos aqui questionados, ficamos com a ideia de que na atualidade existem muito mais brinquedos, tecnologias e internet que permitem às crianças uma maior diversidade de condições que lhes permitam divertirem-se mais, serem supostamente mais felizes e, portanto, ‘hoje’ seria possível às crianças desenvolver uma melhor infância.

Por outro lado, se considerarmos que no ‘antigamente’ por não existirem esta panóplia de produtos digitais e internet, era possível às famílias estarem mais tempo reunidas e que as crianças supostamente teriam mais crianças com quem brincar, divertir-se, também pode ser visto como um argumento favorável aos tempos idos.

Mas o mais importante para bem avaliar, mais uma vez, segundo a minha perspetiva, é levar em consideração os termos ‘amor’ e ‘afeto’. Amor, porque todos nós desejamos (necessitamos) ser amados por alguém, e se o maior amor que recebemos vier dos nossos pais, então, acredito que meio caminho para a ‘melhor infância’ já terá sido percorrido.

Casa da Virgem Maria. Turquia.


6) Será que a utilização intensa dos aparelhos eletrónicos favorece de facto o desenvolvimento afetivo, cognitivo e social dos jovens em idade escolar? E até que ponto conseguirão mesmo diferenciar o uso dos mesmos, ora para apenas atividades lúdicas, ora para o devido cumprimento das tarefas escolares?

Leonardo Alves: Este é um tema muito importante para a aprendizagem dos conteúdos escolares de jovens adolescentes, que ao longo dos meus últimos vinte anos de docência, tive de encarar, visto que a faixa etária média dos meus alunos rondava entre os onze e os dezoito anos de idade. Dizer que consegui dar a volta a este problema, estaria a mentir, pois a utilização das tecnologias digitais há muito que se tornou quase que uma extensão do próprio corpo. E olha que não estou a  referir-me apenas às idades dos meus alunos. Adultos pelo mundo inteiro já foram identificados a utilizar o telemóvel (celular) em situações verdadeiramente bizarras, até mesmo tendo um fim trágico. Em Portugal, e não apenas, já existem leis que proíbem pessoas de conduzir ao mesmo tempo que atendem a alguma ligação telefónica, com o seu telemóvel. Se não me engano, na Austrália e em alguns outros países, é proibido, aos alunos, utilizar o telemóvel nas escolas. Nas salas de aula nas escolas de Portugal, salvo casos em que exista algum projeto ou metodologia docente que justifique a utilização do telemóvel em aula (foi o meu caso), não é permitida a sua utilização deste pelos alunos.

Portanto, esta matéria ainda irá requerer muita análise e reflexão para que se consiga chegar a um denominador comum.

Na minha prática docente, especificamente, mesmo sendo permitido o uso do telemóvel em uma boa parte das aulas, tive de retirar alguns poucos telemóveis de alunos e alunas, tive de colocar alguns poucos alunos para fora da sala de aula, devido a estes terem desrespeitado as regras da sala de aula que, creiam, sempre foram bem mais para o liberal.

Como refere Richard I. Arends, no seu livro “Aprender a ensinar”, Ed. McGraw-Hill, 1995: «existem médicos cujos pacientes morrem, existem advogados que perdem causas, existem professores que possuem alunos que reprovam.


7) Já agora, acha que o facto de o governo português ter proibido o consumo de certos produtos alimentares nos bufetes e máquinas de venda automática das escolas a partir de setembro, está a conseguir garantir que estejam a ser oferecidas opções de facto saudáveis aos alunos? E qual deverá ser o papel dos pais, educadores e respetivos Encarregados de Educação?

Leonardo Alves: Apenas proibir o consumo de certos produtos alimentares dentro das escolas, até pode contribuir para a sua diminuição, mas longe do que se deseja, visto que no entorno escolar existem muitos estabelecimentos alimentares que podem proporcionar o consumo deste tipo de alimento indesejável. E a um preço mais elevado.

O papel dos pais, professores(as) e encarregados(as) de educação deve ser o mesmo: EDUCAR! Cada um deve assumir a sua parte no complicado processo de educação.

 

8) Para finalizar, as relações entre Portugal e Brasil já duram há mais de cinco séculos, tendo iniciado com a descoberta do território brasileiro pelos portugueses e a exploração do pau-brasil e dos primeiros engenhos de açúcar, partilhando ainda uma língua comum, o português, não é verdade? Mas quer contar-nos um pouco como é que foi o seu processo de adaptação ao nosso país, já que o facto de nos vermos longe do nosso país de origem afeta sempre outros aspetos na nossa vida, em que, por exemplo, no caso de Portugal, todos nós aqui, neste país relativamente pequeno, sofremos influências maioritariamente europeias, enquanto o povo brasileiro naturalmente absorverá mais a cultura americana?

Leonardo Alves: Muito importante e oportuna esta questão da adaptação à vida em um outro país, devido ter emigrado do Brasil, meu país natal, para Portugal, em dezembro de 1991. Portanto, já lá vão quase trinta e um anos de vida em terras de Camões e de CR 7.

Confesso que nos primeiros anos de vida, na cidade e no distrito de Lisboa, foi muito difícil suportar a crescente saudade do modo de vida que vivia no Brasil, das pessoas amigas e da família. Logo à chegada a Lisboa fui recebido por uma prima, médica em Sintra, há muito a viver por estas bandas. Durante os primeiros meses de vida em Lisboa, fiz parte da direção, como vogal, da Casa do Brasil de Lisboa. A minha família mais próxima - mulher e filho - só puderam vir para cá após os meus primeiros dez meses de vida e de trabalho, como tutor no Lar de Santa Catarina, da Casa Pia de Lisboa, instituição que até hoje é a minha principal referência no país. Infelizmente, a minha prima Irene veio a falecer passados alguns poucos anos da minha vida em Portugal.

Após nove anos de docência no Colégio de Santa Clara, da Casa Pia de Lisboa, através de concurso público, ingressei diretamente nos quadros definitivos de escola, na atual Escola E.B. ⅔ Fragata do Tejo, na Moita, no lado de lá do Tejo. Nesta escola e na cidade da Moita passei bons momentos, conheci e convivi com  pessoas amigas e, claro, como não poderia ser diferente, degustei por diversas vezes um bom vinho Moscatel de Setúbal.

No meu segundo ano como professor do Ministério da Educação, após concorrer para mudar para uma escola mais próxima da minha casa, ainda no centro de Lisboa, fui para a Escola E. B. ⅔ Avelar Brotero, na cidade de Odivelas, no distrito de Lisboa, onde trabalhei até reformar-me, em maio de 2022.

Tornei-me formador de professores, com acreditação no CCFCP, de Braga. Realizei diversas formações para professores, pós-graduação em Ciências da Educação, Universidade de Lisboa,  além de dar algumas formações para professores nas áreas da avaliação e das tecnologias educativas.

E como não poderia ser diferente, ao longo de tantas atividades profissionais e de convívio, naturalmente passei a adquirir um carinho especial por Portugal, tendo sido um dos tantos milhões que torceram por conquistas da Seleção Nacional, como por exemplo, a conquista do Euro, em França.

E como também poderia ser diferente, estar em Portugal sem gostar da comida portuguesa seria uma afronta. Quase indesculpável. Sem querer agradar a ninguém, considero a gastronomia portuguesa umas das melhores e mais variadas, assim como os seus já famosos vinhos.

E para concluir, como estou a terminar de responder a este inquérito, gostaria de mencionar que o tema do meu primeiro artigo para a revista P’rá Mesa  será sobre a típica gastronomia gaúcha, o meu recanto no Brasil.


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