Entretanto várias pessoas me abordaram estabelecendo confusão
com os frutos da murta (murtinhos), cuja cor é idêntica, mas que são de uma
planta completamente diferente (ver no meu livro “As Plantas, Nossas Irmãs”, 1º volume). Sabendo que em Sever do Vouga se
realiza anualmente a Feira do Mirtilo planeava escrever sobre tal planta depois
de a conhecer de perto e logo que visitasse esse tão badalado certame. O que
ainda não aconteceu.
No entanto, quis o destino que numa viagem à Finlândia para
participar no Congresso Universal de Esperanto de 2019, deparasse com fartura
de mirtilos desenvolvendo-se em plena natureza. Foi numa visita à Reserva
Natural de Päijärvi, mais propriamente ao pântano Linnaistensuo, o qual
dista escassos 7 km da cidade de Lahti, que a sorte me bafejou por
permitir colher e degustar abundantes mirtilos silvestres (um aparte para
elucidar que indico as toponímias finlandesas para facilitar a correspondente
visita dos meus estimados leitores quando a isso se abalançarem). Acede-se
facilmente ao local depois de se atravessar uma densa floresta de abetos e
outras pináceas. Depois há um trilho de quilómetro e meio em passarela, muito
bem cuidado, por onde se caminha. Várias placas informam sobre as
características da Reserva integrada na Rede Natura 2000, mas lamentavelmente
apenas estavam escritas em finlandês. Trata-se de uma planície inundada nas
épocas chuvosas onde medram ervas e arbustos rasteiros e principalmente 7
espécies de musgos. A espessura média da turfa atinge incríveis 2,9 metros. À
superfície surgem pequenos frutos, como arandos (“cranberries”), ainda verdes
nesse mês de julho e grande quantidade de mirtilos já bem maduros.
Esclareço que estes mirtilos são de uma espécie diferente dos
plantados e comercializados entre nós e que deram a Sever do Vouga o epíteto de
capital portuguesa do mirtilo. Aliás, há muitas variedades destes pequenos
arbustos caducifólios da família das Ericaceae,
mas todos eles possuem propriedades quase idênticas.
Os que ora refiro são
os Vaccinium uliginosum, esta última
palavra significa “que predominam em pântanos”. Provêm de arbustos mais
rasteiros com folhas e bagas mais pequenas e menos doces do que os Vaccinium myrtillus, existentes no
mercado português e são nativos dos bosques húmidos e das tundras do hemisfério
norte. Sublinhe-se que o género Vaccinium
inclui cerca de 450 espécies e que a maior parte dos cultivares são híbridos
provenientes da espécie norte-americana, Vaccinium
cyanococcus.
A região mediterrânica é paupérrima no que respeita a
mirtilos porque eles necessitam, para frutificarem bem, de muitas horas de frio,
tal como acontece com as cerejeiras.
As plantas têm caules castanhos lenhosos e folhas verdes
alternas, ovais levemente dentadas e de curtos pecíolos. No outono adquirem
tonalidades avermelhadas e depois caem. As pequenas inflorescências, de cores
pálidas, surgem em forma de campânula invertida, à semelhança das flores do
medronheiro, o que facilita a polinização cruzada efetuada por insetos.
Os frutos, de sabor agridoce, têm propriedades tónicas,
diuréticas antisséticas, antidiarreicas, antioxidantes e antibacterianas e são
ricos em fibra, betacaroteno, vitaminas B, C e P, sais minerais (cálcio,
magnésio, fósforo, ferro, zinco, selénio…), taninos, açúcares, pectinas e
flavonoides.
Em fitoterapia os mirtilos podem ser utilizados para diminuir
os problemas de circulação, as diarreias, os transtornos urinários e as
infeções oculares. Diz-se também que combatem o mau colesterol, a diabetes e a
hipertensão. Durante a guerra foram intensamente consumidos pelos aviadores
dado melhorarem a sua visão noturna. Os extratos entram na composição de
cosméticos para reduzir o envelhecimento da cútis e a resistência aos raios
ultravioletas.
Na doçaria são muito apreciados em compotas, geleias e bolos
variados.
Antes do advento dos corantes sintéticos, os países
escandinavos utilizavam o suco dos mirtilos para dar mais cor ao vinho e tingir
os tecidos de azul-violeta.
Diz-se ainda que a água do cozimento das raízes do arbusto é
boa para gargarejos, banhos de pés e preparar compressas para alívio de
achaques dolorosos.
(texto da autoria
de Miguel Boieiro, Vice-presidente da
Direção da SPN)
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