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quarta-feira, 15 de junho de 2022

“Mirtilos” por Miguel Boieiro


Tinha, já há algum tempo, intenção de dissertar sobre os frutinhos negro-azulados que atualmente estão na moda por via da fama que alcançaram pelos seus elevados efeitos antioxidantes.

 

Entretanto várias pessoas me abordaram estabelecendo confusão com os frutos da murta (murtinhos), cuja cor é idêntica, mas que são de uma planta completamente diferente (ver no meu livro “As Plantas, Nossas Irmãs”, 1º volume). Sabendo que em Sever do Vouga se realiza anualmente a Feira do Mirtilo planeava escrever sobre tal planta depois de a conhecer de perto e logo que visitasse esse tão badalado certame. O que ainda não aconteceu.

No entanto, quis o destino que numa viagem à Finlândia para participar no Congresso Universal de Esperanto de 2019, deparasse com fartura de mirtilos desenvolvendo-se em plena natureza. Foi numa visita à Reserva Natural de Päijärvi, mais propriamente ao pântano Linnaistensuo, o qual dista escassos 7 km da cidade de Lahti, que a sorte me bafejou por permitir colher e degustar abundantes mirtilos silvestres (um aparte para elucidar que indico as toponímias finlandesas para facilitar a correspondente visita dos meus estimados leitores quando a isso se abalançarem). Acede-se facilmente ao local depois de se atravessar uma densa floresta de abetos e outras pináceas. Depois há um trilho de quilómetro e meio em passarela, muito bem cuidado, por onde se caminha. Várias placas informam sobre as características da Reserva integrada na Rede Natura 2000, mas lamentavelmente apenas estavam escritas em finlandês. Trata-se de uma planície inundada nas épocas chuvosas onde medram ervas e arbustos rasteiros e principalmente 7 espécies de musgos. A espessura média da turfa atinge incríveis 2,9 metros. À superfície surgem pequenos frutos, como arandos (“cranberries”), ainda verdes nesse mês de julho e grande quantidade de mirtilos já bem maduros.

Esclareço que estes mirtilos são de uma espécie diferente dos plantados e comercializados entre nós e que deram a Sever do Vouga o epíteto de capital portuguesa do mirtilo. Aliás, há muitas variedades destes pequenos arbustos caducifólios da família das Ericaceae, mas todos eles possuem propriedades quase idênticas.

Os que ora refiro são os Vaccinium uliginosum, esta última palavra significa “que predominam em pântanos”. Provêm de arbustos mais rasteiros com folhas e bagas mais pequenas e menos doces do que os Vaccinium myrtillus, existentes no mercado português e são nativos dos bosques húmidos e das tundras do hemisfério norte. Sublinhe-se que o género Vaccinium inclui cerca de 450 espécies e que a maior parte dos cultivares são híbridos provenientes da espécie norte-americana, Vaccinium cyanococcus.

A região mediterrânica é paupérrima no que respeita a mirtilos porque eles necessitam, para frutificarem bem, de muitas horas de frio, tal como acontece com as cerejeiras.

As plantas têm caules castanhos lenhosos e folhas verdes alternas, ovais levemente dentadas e de curtos pecíolos. No outono adquirem tonalidades avermelhadas e depois caem. As pequenas inflorescências, de cores pálidas, surgem em forma de campânula invertida, à semelhança das flores do medronheiro, o que facilita a polinização cruzada efetuada por insetos.

Os frutos, de sabor agridoce, têm propriedades tónicas, diuréticas antisséticas, antidiarreicas, antioxidantes e antibacterianas e são ricos em fibra, betacaroteno, vitaminas B, C e P, sais minerais (cálcio, magnésio, fósforo, ferro, zinco, selénio…), taninos, açúcares, pectinas e flavonoides.

Em fitoterapia os mirtilos podem ser utilizados para diminuir os problemas de circulação, as diarreias, os transtornos urinários e as infeções oculares. Diz-se também que combatem o mau colesterol, a diabetes e a hipertensão. Durante a guerra foram intensamente consumidos pelos aviadores dado melhorarem a sua visão noturna. Os extratos entram na composição de cosméticos para reduzir o envelhecimento da cútis e a resistência aos raios ultravioletas.

Na doçaria são muito apreciados em compotas, geleias e bolos variados.

Antes do advento dos corantes sintéticos, os países escandinavos utilizavam o suco dos mirtilos para dar mais cor ao vinho e tingir os tecidos de azul-violeta.

Diz-se ainda que a água do cozimento das raízes do arbusto é boa para gargarejos, banhos de pés e preparar compressas para alívio de achaques dolorosos.

 

(texto da autoria de Miguel BoieiroVice-presidente da Direção da SPN)

  

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