quarta-feira, 20 de julho de 2022

“Amieiro” por Miguel Boieiro

Nesta incessante, e por vezes infernal, evolução humana que se rege absurdamente pela via do crescimento exponencial, sempre para a frente, até rebentar, esquecem-se os ensinamentos do passado. 


Muita sabedoria adquirida empiricamente e testada, vezes sem conta, acaba por ficar para trás, cilindrada pelos ditos avanços da ciência. No tocante à chamada medicina natural e concretamente à fitoterapia, isso é por demais evidente. As pessoas esquecem que as plantas, lato sensu, possuem um estimável manancial de atributos capazes de despoletar nos humanos e não só, os mecanismos do equilíbrio e da cura. Melhor dizendo, não são as plantas que curam, elas simplesmente estimulam, o que não é pouco, os mecanismos que os organismos detêm para ultrapassar as suas dificuldades de vivência. O sucesso dos métodos adotados depende sempre da compatibilidade entre a planta e o paciente, sendo a paciência um fator a ter em conta.

Vem isto a propósito do amieiro comum, Alnus glutinosa, da família botânica das Betulaceae, árvore corrente em Portugal, onde outrora alcançou elevado prestígio. Tal é profusamente demonstrado pela vasta toponímia em que o termo amieiro ou amieira (se a árvore for grande) se acha em muitos municípios: Nisa, Portel, Montemor-o-Velho, Alijó, Santo Tirso … e até em Alcochete (Vale da Amieira – Barroca d’Alva, onde se filmavam hilariantes cenas da série televisiva “Malucos do Riso”).

Em praticamente toda a Europa se menciona o amieiro, embora persistam confusos registos. O livrinho Alberi (árvores, em italiano) destaca, para além da glutinosa, as espécies incana e viridis. A edição inglesa Trees acrescenta as designações cordata, firma, japonica, orientalis, rubra e sinuata. Para complicar, há ainda quem afirme que é predominante em Portugal uma subespécie denominada lusitanica.

Adiante! O amieiro que nós bem conhecemos é uma árvore caducifólia que medra nas margens dos cursos de água, barrancos húmidos e terrenos permanentemente encharcados. Por vezes forma extensos bosques ripícolas, os chamados amiais. Tem crescimento rápido e tronco ereto de porte médio que pode chegar aos 30 metros de altura. A sua duração raramente ultrapassa cem anos. As folhas são arredondadas, dentadas, pecioladas e alternas.  A árvore é monoica, isto é, possui ambos os sexos na mesma unidade. As flores masculinas surgem em compridos amentilhos violáceos que pendem carregados de pólen. As inflorescências femininas são ovoides formando uma espécie de pinha que, ao amadurecer, lenhifica. Os frutos são pequenos e achatados com sabor adstringente e amargo.

Diz-se que designação “alnus” provém da antiga língua celta e significa perto da água. Já “glutinosa” deriva da viscosidade dos rebentos foliares ao brotarem logo a seguir ao inverno.

Uma característica valiosa do amieiro vem do facto de estabelecer simbioses radiculares com uma bactéria filamentosa fixadora de azoto. É, portanto, semelhante às leguminosas que libertam azoto através dos nódulos das suas raízes, enriquecendo o solo e facilitando a vida de outras plantas.

Os amiais formam barreiras corta-ventos, dificultam a erosão dos solos, resistem a baixas temperaturas e despoluem a atmosfera. Antigamente utilizavam-se as cascas do tronco para a curtimenta das peles, dada a sua grande riqueza em tanino. Também se notabilizava no fabrico de corantes nas épocas em que não se dominava a química de síntese.

A madeira que, após o corte, apresenta uma tonalidade avermelhada, é muito leve e macia, mas resistente, não apodrecendo facilmente. Com ela, confecionavam-se outrora típicos tamancos, como refere o saudoso José Salgueiro no seu livro “Ervas, Usos e Saberes”.

O mesmo autor indica que as partes mais utilizadas em fitoterapia são as folhas e as cascas dos ramos novos. Com 30 g das folhas fervidas num litro de água temos um “chá” para tomar 3 vezes ao dia para baixar a febre. Essa decocção, deitada em banhos de água quente, alivia as dores reumáticas. O cozimento das cascas serve para confecionar gargarejos a fim de debelar anginas, tratar úlceras varicosas e proceder a irrigações vaginais.

Por sua vez, Oliveira Feijão acrescenta que as cataplasmas das folhas fazem parar a secreção láctea das mulheres.

Comprovadamente o amieiro tem como principais componentes tanino, lípidos e pigmentos que lhe conferem propriedades adstringentes, cicatrizantes, tónicas, vulnerárias, antirreumáticas, antilactagogas e febrífugas.

Os atributos desta árvore vêm pormenorizados nas obras da freira medieval Hildegarda, considerada santa e aparecem com destaque tanto nas “Plantas Mágicas” de Paracelso, como nas de Sédir. Também o interessante “Dicionário de Plantas Curativas da Península Ibérica” de Enric Balasch e Yolanda Ruiz integra curiosas considerações no capítulo “Botânica Oculta”.

Tudo isto são incentivos para que aprofundemos o estudo desta planta espontânea no nosso país e que parece guardar segredos ancestrais.


(texto da autoria de Miguel BoieiroVice-presidente da Direção da SPN)

  

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