Nesta incessante, e por vezes infernal, evolução humana que se rege absurdamente pela via do crescimento exponencial, sempre para a frente, até rebentar, esquecem-se os ensinamentos do passado.
Muita sabedoria adquirida
empiricamente e testada, vezes sem conta, acaba por ficar para trás, cilindrada
pelos ditos avanços da ciência. No tocante à chamada medicina natural e
concretamente à fitoterapia, isso é por demais evidente. As pessoas esquecem
que as plantas, lato sensu, possuem
um estimável manancial de atributos capazes de despoletar nos humanos e não só,
os mecanismos do equilíbrio e da cura. Melhor dizendo, não são as plantas que
curam, elas simplesmente estimulam, o que não é pouco, os mecanismos que os
organismos detêm para ultrapassar as suas dificuldades de vivência. O sucesso
dos métodos adotados depende sempre da compatibilidade entre a planta e o
paciente, sendo a paciência um fator a ter em conta.
Vem isto a propósito do amieiro comum, Alnus glutinosa, da família botânica das Betulaceae, árvore corrente em Portugal, onde outrora alcançou
elevado prestígio. Tal é profusamente demonstrado pela vasta toponímia em que o
termo amieiro ou amieira (se a árvore for grande) se acha em muitos municípios:
Nisa, Portel, Montemor-o-Velho, Alijó, Santo Tirso … e até em Alcochete (Vale
da Amieira – Barroca d’Alva, onde se filmavam hilariantes cenas da série
televisiva “Malucos do Riso”).
Em praticamente toda a Europa se menciona o amieiro, embora
persistam confusos registos. O livrinho Alberi (árvores, em italiano) destaca, para além da glutinosa, as espécies incana e viridis. A edição inglesa Trees acrescenta as designações cordata, firma, japonica, orientalis, rubra e sinuata. Para
complicar, há ainda quem afirme que é predominante em Portugal uma subespécie
denominada lusitanica.
Adiante! O amieiro que nós bem conhecemos é uma árvore
caducifólia que medra nas margens dos cursos de água, barrancos húmidos e
terrenos permanentemente encharcados. Por vezes forma extensos bosques
ripícolas, os chamados amiais. Tem crescimento rápido e tronco ereto de porte
médio que pode chegar aos 30 metros de altura. A sua duração raramente
ultrapassa cem anos. As folhas são arredondadas, dentadas, pecioladas e
alternas. A árvore é monoica, isto é,
possui ambos os sexos na mesma unidade. As flores masculinas surgem em
compridos amentilhos violáceos que pendem carregados de pólen. As
inflorescências femininas são ovoides formando uma espécie de pinha que, ao
amadurecer, lenhifica. Os frutos são pequenos e achatados com sabor adstringente
e amargo.
Diz-se que designação “alnus”
provém da antiga língua celta e significa perto da água. Já “glutinosa” deriva da viscosidade dos
rebentos foliares ao brotarem logo a seguir ao inverno.
Uma característica valiosa do amieiro vem do facto de estabelecer
simbioses radiculares com uma bactéria filamentosa fixadora de azoto. É,
portanto, semelhante às leguminosas que libertam azoto através dos nódulos das
suas raízes, enriquecendo o solo e facilitando a vida de outras plantas.
Os amiais formam barreiras corta-ventos, dificultam a erosão
dos solos, resistem a baixas temperaturas e despoluem a atmosfera. Antigamente
utilizavam-se as cascas do tronco para a curtimenta das peles, dada a sua
grande riqueza em tanino. Também se notabilizava no fabrico de corantes nas
épocas em que não se dominava a química de síntese.
A madeira que, após o corte, apresenta uma tonalidade
avermelhada, é muito leve e macia, mas resistente, não apodrecendo facilmente.
Com ela, confecionavam-se outrora típicos tamancos, como refere o saudoso José
Salgueiro no seu livro “Ervas, Usos e Saberes”.
O mesmo autor indica que as partes mais utilizadas em
fitoterapia são as folhas e as cascas dos ramos novos. Com 30 g das folhas
fervidas num litro de água temos um “chá” para tomar 3 vezes ao dia para baixar
a febre. Essa decocção, deitada em banhos de água quente, alivia as dores
reumáticas. O cozimento das cascas serve para confecionar gargarejos a fim de
debelar anginas, tratar úlceras varicosas e proceder a irrigações vaginais.
Por sua vez, Oliveira Feijão acrescenta que as cataplasmas
das folhas fazem parar a secreção láctea das mulheres.
Comprovadamente o amieiro tem como principais componentes
tanino, lípidos e pigmentos que lhe conferem propriedades adstringentes,
cicatrizantes, tónicas, vulnerárias, antirreumáticas, antilactagogas e
febrífugas.
Os atributos desta árvore vêm pormenorizados nas obras da
freira medieval Hildegarda, considerada santa e aparecem com destaque tanto nas
“Plantas Mágicas” de Paracelso, como nas de Sédir. Também o interessante
“Dicionário de Plantas Curativas da Península Ibérica” de Enric Balasch e
Yolanda Ruiz integra curiosas considerações no capítulo “Botânica Oculta”.
Tudo isto são incentivos para que aprofundemos o estudo desta
planta espontânea no nosso país e que parece guardar segredos ancestrais.
(texto da autoria de Miguel Boieiro, Vice-presidente da Direção da SPN)
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