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quarta-feira, 6 de julho de 2022

“Linho” por Miguel Boieiro

Já quando era garoto adorava fazer as minhas experiências botânicas. No cais das faluas (Montijo) o movimento de cargas e descargas de mercadorias era constante.

 

Uma vez, duma fragata atracada estavam a descarregar fardos de algodão em rama. Apanhei algumas sementes que vinham agarradas e semeei-as num vaso que reguei com água quente. Santa ingenuidade infantil! Tinha ouvido dizer que o algodão vegetava nos climas quentes e vai daí … É claro que aquilo não deu nada. Mas noutra ocasião, tive sucesso. Numa velha lata com terra do quintal coloquei sementes de linho. Pacientemente fui regando todos os dias até que surgiram várias plântulas. Fui arrancando as que conhecia, desbastando, desbastando, até que só restou uma muito esguia que cresceu até florir. Era uma florinha azul clara que me deixou radiante. Ali estava o tal linho. Um vizinho brincalhão veio avisar-me que estava um camião à porta com o respetivo motorista perguntando quem tinha linho para vender (?!).

Mais tarde familiarizei-me com esta pequena planta utilíssima, cuja designação científica é justamente Linum usitatissimum L. Ela gosta dos climas mais frios, mas, pelo menos uma variedade, a Linum angustifolium, cresce à vontade nos solos ácidos dos nossos montados.

Não há melhor síntese sobre o percurso tormentoso do linho do que a que encontrei no Museu Etnográfico de Santana (Madeira): “ele é semeado, arrancado, ripado, curtido, secado, fiado, ensarilhado, meado, cozido, corado, dobado, novelado, urdido e finalmente tecido”. E eis numa sucessão de operações acompanhadas por saberes ancestrais, a forma de chegar às tão saudáveis vestimentas de linho. Sabe-se que já há 2500 a.C. esta planta de fibras flexíveis era cultivada no Egipto e na Ásia Menor, de onde se julga ser originária.

É uma herbácea anual que, nas melhores condições, pode atingir 1 m de altura. O estreito caule é ereto ou ascendente, sem nós e quase sempre ramificado nas inflorescências. As folhas apresentam-se lanceoladas, alternas e lineares. As flores possuem cinco pétalas de cor azul e são hermafroditas. Os frutos formam cápsulas com dez sementes castanhas, lisas e brilhantes a que chamamos linhaça. Cientificamente comprovou-se que a linhaça tem importantes propriedades medicinais, sendo antioxidante, digestiva, emoliente, laxante, suavizante, diurética e resolutiva.

As sementes do linho são utilizadas em culinária (aqueles saborosos pãezinhos de sementes!). Delas se extrai um óleo rico em ómega 3, ómega 6 e ómega 9, numa proporção equilibrada, os quais são valiosos antioxidantes, redutores do LDL (mau colesterol) e renovadores celulares. A linhaça contém também mucilagens, enzimas, pectinas, hidratos de carbono, proteínas, ferro, zinco, potássio, magnésio, fósforo, cálcio, caroteno e vitaminas B1, B2, C e E. As suas fibras solúveis são altamente adequadas para o regular funcionamento dos intestinos. Há quem refira a sua utilidade no combate à diabetes e até como preventivo dos cancros da próstata, mama, cólon e pulmões.

Eis algumas das inúmeras mezinhas já utilizadas no tempo dos nossos avós:

- Cataplasmas quentes (papas de linhaça) para eliminar abcessos, furúnculos, cólicas intestinais, inflamações dos brônquios e dores em geral.

- Infusão das sementes, para diabetes, inflamações estomacais, dores de garganta, males da bexiga, colites, intestinos, hemorroidal.

- Ingestão em jejum de uma colher de sementes (que devem ficar de molho durante a noite) para a prisão de ventre.

- Friccionamento com óleo de linhaça de peles gretadas e eczemas.

Uma precaução a considerar: o óleo de linhaça rança com facilidade, devendo por isso ser conservado em frascos escuros ao abrigo do calor e da luz. Jamais se devem utilizar, para fins medicinais, óleos ou farinhas de linhaça deteriorados. Finalmente, deixo a recomendação e o incentivo para voltarmos a vestir roupas de linho que são muito mais saudáveis do que as confecionadas com fibras sintéticas derivadas de petróleo, ou até mesmo do próprio algodão.


(texto da autoria de Miguel BoieiroVice-presidente da Direção da SPN)

  


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