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quarta-feira, 19 de outubro de 2022

"Lantana" por Miguel Boieiro

Convencionou-se que a Terra, ou seja, o planeta onde se desenvolve uma multiplicidade de viventes todos assaz diferentes, surgiu há 4.600 milhões de anos.



Não sei como se chegou a esta cifra, mas por agora, isso não interessa. Diz, quem julga saber, que durante 80% desse ciclópico tempo não havia sinais de vida no nosso turbulento planeta. Só a partir da era Fanerozoica, há “apenas” 400 milhões de anos, começaram a aparecer sucessivamente as algas, os líquenes, os pteridófitos, as primeiras plantas vasculares e, muito depois, os animais invertebrados e depois os vertebrados onde se inclui o bicho homem. Se se colocar a existência do planeta à escala de um simples ano, para melhor afinar a nossa compreensão, verificamos que os seres humanos só surgiram a faltar um minuto para as 24 horas do dia 31 de dezembro. Este simples exercício de imaginação leva-nos a refletir sobre a ínf
ima pequenez dos “reis da criação”, como pomposamente nos intitulamos e da necessidade de nos mantermos humildes perante as manifestações climatéricas e outras que ciclicamente nos vêm atemorizando. É claro que o exercício pode ter erros de alguns, ou de muitos milhões, mas isso não perturba o fundamental da análise.

Aqui chegados, vamos partir para outra conjetura, a do processo evolutivo dos seres vivos. Dado que o Reino da Botânica, leva nesta corrida, em relação ao Reino Animal, uma dianteira de alguns milhões, há que atentar nas complexas transformações sofridas ao longo das infindáveis eras. Imaginemos então as estratégias que cada planta adotou para sobreviver e prolongar a espécie. Imaginemos a grande revolução que foi a descoberta da flor e no contrato tácito firmado com insetos para ajudarem no processo da fecundação. E das flores, deparamos com uma sofisticação sem precedentes, nos coloridos, nas formas, nas texturas, nos aromas.

Esta empolada conversa vai, a propósito ou a despropósito, por mero capricho deste cronista utópico, conduzir-nos às florinhas da lantana, arbusto cientificamente denominado Lantana camara. É que a planta, na sua genial estratégia de sobrevivência, consegue gerar, em simultâneo, panículas florísticas de várias cores e assim atrair diferentes espécies de polinizadores. Espantoso, poucas plantas tinham “pensado”, nisso.

As lantanas são arbustos pertencentes à família das Verbenaceae que agrupa cerca de 100 espécies. São nativas perenes no México e América tropical, naturalizando-se depois em outras regiões na África, Ásia, Austrália e Europa, onde concorrem com as espécies endógenas. Englobam inclusive, a lista mundial das 100 mais importantes espécies exóticas. Na África do Sul chegam a ser proibidas por ameaçar a subsistência da respetiva flora por via ao seu carácter invasor.

Em Portugal, a Lantana camara é considerada uma planta ornamental, sendo usada nos jardins públicos e privados, nas faixas separativas das autoestradas e na formação de cercas divisórias das propriedades. Cresce rapidamente, resiste à seca e adapta-se a vários ecossistemas.

Possui folhas simples, ovaladas, opostas, de textura áspera, com bordos levemente serrados e algo aromáticas. Forma arbustos providos de caules quadrangulares, sarmentosos e muito ramificados.

As flores são pequenas, dispostas em corimbos densos, caracterizando-se, como já se disse, pela existência de cores diversas na mesma unidade. No início são esbranquiçadas, depois amarelas, alaranjadas, rosadas e vermelhas. Podem permanecer vários meses o que ressalta o seu valor ornamental, o qual beneficia com a exposição solar. Os frutos formam bagas, sendo verdes no começo e muito tóxicas. Depois ficam pretas e luzidias, atraindo a passarada que faz a dispersão das duas sementes contidas em cada fruto.

A lantana contém alcaloides (lantanina), tanino, resinas, caroteno, antocianinas e óleos essenciais. Contudo, em Portugal não se encontra divulgado qualquer préstimo no tocante à fitoterapia. Após consultarmos alguns compêndios oriundos doutros países, anotámos indicações de medicina popular que, a seguir, damos conta:

A planta, a despeito de conter alguma toxicidade, é apontada como estimulante da atividade física e mental e preventiva de gripes e constipações. É usada a infusão de uma colher das folhas secas fervidas num litro de água. Deixa-se repousar durante 10 minutos. Toma-se uma chávena três ou quatro vezes por dia.

No “Gran diccionario ilustrado de las Plantas Medicinales” do Dr. José Luis Bedonces, à lantana, também conhecida por “bandera española”, talvez devido às proeminentes cores amarelas e vermelhas das flores, são atribuídas acrescidas virtudes fitoterápicas, a saber:

- Decocção das folhas para estimular as digestões pesadas de origem gástrica, intestinal, diurética e sudorífica.

- Banhos com a água da decocção das folhas e flores como remédio para o reumatismo.

- Suco das folhas para aplicar externamente nos casos de herpes e demais feridas cutâneas.





(texto da autoria de Miguel BoieiroVice-presidente da Direção da SPN)


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