Quem alguma vez entrou no Mercado Municipal de Margão, segunda cidade do pequeno estado de Goa, antiga colónia portuguesa, não deixa de ficar fortemente impressionado com...
... a quantidade e a variedade de pimentos,
pimentinhos e pimentões picantes de diversos tamanhos e feitios, empilhados em
extensas bancas. Para simplificar, já que, para este cronista, se torna difícil
identificá-los corretamente, vamos chamá-los simplesmente de malaguetas, com
perdão dos doutos entendidos. Bem sabíamos que a Índia foi, e continua a ser,
muito badalada por via das especiarias, em especial a pimenta, mas jamais
teríamos imaginado que as malaguetas, nativas das regiões tropicais e
subtropicais da América, roubariam ali o lugar cimeiro à, outrora, tão cobiçada
pimenta.
Os hindus são ancestrais cultores da gastronomia picante. Nos
restaurantes indianos é raro encontrar comidas que não façam “arder” a língua e
“chorar” os olhos. Nas farmácias até há comprimidos picantes para aliviar os
achaques.
Em todo o mundo há quem não suporte, quem adore e quem seja
mesmo viciado em manjares picantes. Alguns gostam só para puxar a pinga a fim
de apagar o “fogo”. Tendo degustado saborosos pimentos durante o Caminho
Português para Santiago de Compostela, na própria cidade de Padrón, onde nasceu
a afamada poetisa Rosalía de Castro, ficámos fã da iguaria que não nos pareceu
demasiado pungente. Vai daí, resolvemos comprar plantas da referida espécie
para dispor no quintal. Todavia, olvidamos o certeiro dito da língua galega: “Os pementos de Padrón, uns picam e outros
non”. Pois saíram umas malaguetas tão picantes, que uma mera pitadinha já
era o bastante para adubar os pitéus. Perante a farta colheita, aproveitámos
para presentear os amigos apreciadores.
Vamos então dissertar sobre a Capsicum spp., género da família das Solanaceae que agrega inúmeras espécies naturais ou híbridas, sendo
a Capsicum annuum e a Capsicum frutescen as mais utilizadas
nas gastronomias de todo o mundo. Referiremos só as picantes, conhecidas
popularmente como piripiri, jindungo, paprica, tabasco, chili, etc. Atenção que
o termo chili não se refere a Chile; provem do idioma “náhuatl”, falado pelos
nativos aztecas do México que há milénios já apreciavam o “jalapeño” e outras
malaguetas super picantes.
As plantas podem alcançar, em média, 1 metro de altura e
possuem caule lenhoso ou semilenhoso algo ramificado. São bienais, perenes, ou
somente anuais, se se achar conveniente. As pequenas folhas são verdes, lisas,
opostas, pecioladas e geralmente ovais. As flores têm cinco pétalas, são
hermafroditas e quase sempre esbranquiçadas.
Quanto aos frutos, que constituem a parte mais interessante, podem
ter diversos feitios (veja-se o livro “Spices in the Kitchen” da editora
inglesa Hermes House que, em seis atrativas páginas, apresenta mais de trinta
imagens coloridas de “Chillies”),
são bagas, inicialmente verdes, passando depois a amarelas e por fim a
vermelhas. As sementes são brancas e reniformes, estando encerradas no interior
oco dos frutos. A faculdade germinativa (dormência) vai de 3 a 4 anos.
Acrescente-se que as aves não são afetadas pelos picantes o que facilita a
dispersão das plantas.
Constituintes: capsaicina, carotenos, vitaminas C, B1, B2 e PP, potássio,
magnésio, cálcio, resquícios de hidratos de carbono e de óleo essencial. A
capsaicina é o alcaloide que lhe confere a pungência, ou seja, a ardência da
baga. Tal, é medida pela Escala de Scoville que vai de zero a 100 mil,
máximo encontrado na espécie habanero.
Acrescente-se que
estes pimentos picantes nada têm a ver com a Piper nigrum (pimenta) que é uma trepadeira pertencente à família
das Piperaceae, normalmente com menor
pungência.
Propriedades medicinais: anti-inflamatória, antioxidante, rubefaciente,
revulsiva, analgésica, sedativa, tónica, estimulante do apetite e da secreção
dos sucos gástricos. Os especialistas mencionam também que as malaguetas atuam
beneficamente nos casos de anorexia, meteorismo, faringite, lombalgia,
alopecia, hidropisia, colesterol, depressão e fraqueza.
Provou-se que o organismo humano, em face do concentrado de
princípios ativos, com realce para a capsaicina, reage ao calor, libertando
endorfinas que causam uma sensação de bem-estar e de felicidade
No entanto, não há bela sem senão e por isso, são também
apresentadas contraindicações. Os que sofrem de gastrites, úlceras
gastrointestinais e hemorroidal devem reduzir os alimentos picantes. Em doses
altas podem surgir diarreias, inflamação do trato intestinal e vómitos. O
manuseamento dos pimentos de maior pungência pode causar irritações da pele e
das mucosas. Mesmo depois de lavarmos as mãos, não se deve levá-las ao rosto e
muito menos esfregar os olhos.
Segundo opinião dos experimentados, beber água ou vinho com o intuito de abrandar o ardor, não resulta. Parece que o melhor antídoto para apagar o “fogo” do estômago é comer pão com manteiga ou deglutir iogurte.
(texto da autoria de Miguel Boieiro, Vice-presidente da Direção da SPN)
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