quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

"Milho painço" por Miguel Boieiro

No dealbar do mês de novembro, época em que ainda surgem lampejos estivais a alternar com aguaceiros e temperaturas amenas, surgiu a soberana oportunidade de participar na I-Danha Food Lab Event 2022. 


Sempre à procura de oportunidades para aprender e progredir, em boa hora nos inscrevemos no referido evento. Mas o que é que significa e engloba esse curioso palavrão americano, escolhido para conferir notoriedade ao evento internacional, promovido pela BGI (Building Global Innovators)? Referimo-nos a um vasto fórum, cujas linhas principais foram a apresentação, discussão e debate sobre processos de agricultura biológica, orgânica e regenerativa, a agroecologia e a sustentabilidade alimentar. Estiveram em análise pertinentes problemas ambientais, económicos, sociais, educacionais, tecnológicos do mundo atual, sempre em mudança, numa perspetiva de inovação rumo a um futuro mais ridente.

Cerca de 180 participantes, alguns oriundos de países estrangeiros (Espanha, Itália, Reino Unido, Dinamarca, Suécia, Alemanha, Polónia, Eslovénia...) juntaram-se na emblemática aldeia de Monsanto, concelho de Idanha-a-Nova, durante três dias, em assisadas palestras, permanentes diálogos e laboriosos convívios. Mas por quê em Idanha, concelho rural do interior e não numa grande cidade? 

Ora, porque se trata do município que marcha na vanguarda da agricultura biológica, integra a primeira Bio Região portuguesa e constitui um autêntico património de inovações. Como bem explicou o presidente da edilidade, este concelho de 1416 km2 e apenas 8232 habitantes, é um território classificado pela UNESCO devido a adoção generalizada de modos de produção bio sustentáveis, economia verde, cantinas escolares com 100% de géneros biológicos, hortas pedagógicas, gastronomia local sustentável e criação de produtos de excelência. Devido a estes factos que já se refletem favoravelmente na economia, o município conta com vários prémios internacionais que muito orgulham o autarca.

No último dia do evento os participantes visitaram o Monte Silveira Bio, onde colheram detalhadas informações sobre os métodos de produção animal e vegetal. A rotação das culturas, a elaboração do composto orgânico e a consociação entre o pastoreio e as sementeiras foram aspetos que analisámos.

E é aqui que entra o milho-painço a encimar esta croniqueta e que, a princípio, poderá parecer estranho aos estimados leitores. Na verdade, poderíamos abordar outros factos e circunstâncias por demais pertinentes e importantes suscitados pelo grandioso evento, mas apeteceu-nos discorrer sobre este cereal que, em nossa opinião, não está ainda suficientemente divulgado, nem aproveitado entre nós. Vimos num dos armazéns da herdade meia dúzia de enormes sacos cheios de sementes acabadas de colher que foi o que nos seduziu para elaborar a presente croniqueta.

O milho-painço é uma Poaceae que vamos considerar como Panicum millaceum, embora haja muitas outras variedades. O seu cultivo é feito essencialmente para a produção do grão. No entanto, já vimos à venda robustas vassouras confecionadas com as ramagens secas da planta depois de retiradas as sementes.

Comercialmente o grão é apresentado nas lojas de dietética pelo seu nome francês: milletTrata-se de um cereal de agradável sabor, alcalino, de fácil digestão e sem glúten, bastante adequado para alimentação de animais (aves) e humanos.

As sementinhas do millet encerram aminoácidos essenciais (15% de proteína), lecitina, vitaminas do complexo B, fósforo, ferro, magnésio, zinco e potássio. A despeito de não ser um cereal panificável o que reduziu o seu uso nos países europeus, esta gramínea continua a ser muito estimada em África e na Ásia, onde é cozinhada como o arroz. Consta-se que os chineses já a cultivavam há cinco mil anos.

Segundo Oliveira Feijão, o milho-painço, também conhecido como milho-de-canário, milho-alvo, milhete e pão-de-passarinho, para além dos usos culinários, pode ser utilizado medicinalmente como antidisentérico, diurético e sudorífico e integra a famosa “Tisana de Santo Ambrósio” (um quilo de sementes fervidas em dois litros de vinho branco durante meia hora, coar e beber quente).

Acrescente-se que esta planta é vigorosa, tem crescimento rápido, adapta-se a qualquer tipo de solo e não necessita de muita água. É, talvez, dos cereais correntes o que precisa de menos água para sobreviver sendo, portanto, ideal para as zonas semiáridas.

Tendo um ciclo anual assaz curto pode gerar sementes logo 2 meses após a cultura. As folhas são lineares e estreitas formando densas e apertadas ramificações. A floração dá-se em panículas piramidais pendentes que se autopolinizam.  As sementes surgem depois em espiguetas. As raízes são superficiais, não explorando demasiado o solo.

Dado as suas aludidas características, a sementeira do milho-painço torna-se muito adequada para efetuar rotações de culturas e proteger os terrenos em agricultura regenerativa como observámos na herdade do Monte Silveira.




 (texto da autoria de Miguel BoieiroVice-presidente da Direção da SPN)


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