quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

A nossa Serra

Em 1950, na obra “Portugal”, Miguel Torga escrevia o seguinte:


Há rios na Beira? Descem da Estrela. Há queijo na Beira? Faz-se na Estrela. Há roupa na Beira? Tece-se na Estrela. Há vento na Beira? Sopra-o a Estrela. Há energia eléctrica na Beira? Gera-se na Estrela. Tudo se cria nela, tudo mergulha as raízes no seu largo e materno seio. Ela comanda, bafeja, castiga e redime. Gelada e carrancuda, cresta o que nasce sem a sua bênção; quente e desanuviada, a vida à sua volta abrolha e floresce. O Marão separa dois mundos — o minhoto e o transmontano. O Caldeirão, no pólo oposto de Portugal, imita-o como pode. Mas a Estrela não divide: concentra.


É, sem dúvida, a descrição perfeita de uma serra agreste, dura e fria, mas que nos oferece tesouros naturais, culturais e gastronómicos que nos aquecem o coração.

O ambiente da Serra da Estrela acolheu-me durante a minha infância e juventude. Neste texto, quero falar de alguns tesouros que podemos ver, saborear e contemplar. A Serra da Estrela não é só neve e gelo, e podemos aproveitá-la em qualquer estação do ano. Não pretendo fazer um roteiro completo de viagem, apenas apresentar dicas que para mim estão na categoria dos “incontornáveis”.


Locais naturais a visitar



  • Vale Glaciar do Zêzere – Vale em forma de “U” com 13 kms de extensão, sendo um dos maiores da Europa, mostra-nos os vestígios da última glaciação terminada há 15 mil anos. Desde encostas íngremes de granito, ao rio Zêzere, podemos contemplar aldeias típicas e prados verdejantes e alcançar a vila de Manteigas.

  • Covão d’Ametade – Local muitas vezes considerado bucólico por toda a sua envolvência. Situa-se no início do Vale Glaciar do Zêzere, repleto de biodiversidade no meio de inúmeras bétulas. Muito apreciado para fazer caminhadas e escaladas.

  • Rota das Faias – Para quem não suporta as temperaturas de um inverno rigoroso na Serra, deve fazer a Rota das Faias em Manteigas, no outono. Esta floresta de faias foi plantada no início do século XX pelos Serviços Florestais e serve-nos um ambiente de cores outonais. Com vários trilhos e caminhos, com diferentes graus de dificuldade, esta rota é ótima para quem gosta da natureza e de calmaria.

  • Torre – O topo da Serra da Estrela. A vista é imperdível, no chamado ponto mais alto de Portugal Continental. As temperaturas mínimas podem atingir os – 20ºC e por vezes, é difícil o acesso a este ponto, nos dias de neve mais intensa. Para os amantes de desportos de inverno, encontram aqui uma pista de esqui.

  • Praias fluviais – São 11! Praia Fluvial do Paul e de Unhais da Serra (Covilhã); praia Fluvial de Vale do Rossim (Penhas Douradas), Praia Fluvial de Valhelhas ou Praia Fluvial do Rossio (Guarda), Praia Fluvial da Relva da Reboleira (Manteigas), Praia Fluvial de Loriga, Lapa dos Dinheiros, Poço da Broca, Sabugueiro, Vila Cova à Coelheira e do Doutor Pedro (Seia). Mais ou menos frequentadas, grandes, pequenas, escondidas, com lagoas e pequenas quedas de água, todas merecem uma visita.

  • Passadiços do Mondego – os passadiços mais recentes abertos ao público, com 12 km de extensão, passando por várias aldeias da Guarda com uma visão pela Serra do Caldeirão. Há percursos adaptados a vários níveis de dificuldade e a pensar nas pessoas com mobilidade reduzida.


Gastronomia



  • Borrego e cabrito – são as carnes mais típicas e apreciadas. No forno ou guisado, é sempre muito concorrido.

  • Enchidos -  presunto, chouriça, morcela e farinheira. Sozinhos ou acompanhados com um bom pão, fazem as delícias numa entrada ou num prato principal.

  • Queijo e outros – o incontornável queijo da Serra, de leite cru de ovelha Churra. A sua pasta pode ser apreciada amanteigada ou mais firme, mas faz enche as papilas dos apreciadores de um bom queijo tradicional. Dentro dos lacticínios, há ainda o requeijão, que pode (e deve!), ser acompanhado de doce de abóbora ou de frutos do bosque. Como sobremesa, temos ainda as sardinhas doces, receita conventual de massa tenra, ovos, amêndoa e açúcar, que depois de fritas são banhadas em chocolate.


Para além destas iguarias perenes, há ainda pratos de caça confecionados sazonalmente, temperados com ervas da serra como a carqueja ou o rosmaninho, licor de castanhas e papas de milho com mel.

Não se esqueçam que a Serra é também cultura local, com variadíssimos museus que retratam as tradições e a indústria da região.

No verão ou no inverno, a Estrela oferece diferentes oportunidades de aproveitar um imenso património natural, propiciando momentos de lazer e de bem-estar em família ou entre amigos. Valorizar o que é nosso deveria ser primordial, e a Estrela merece ser conhecida e visitada.

Lembrem-se, tal como Torga disse, a Estrela concentra!


 (texto da autoria de Sandrina Martins) 


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