Quando, há quarenta anos, iniciei desempenhos autárquicos num município situado na orla do maior estuário europeu, um curioso jornalista perguntou qual o número de residentes no respetivo território.
Jocosamente, respondi: 13 mil humanos, 40 mil porcos e 50 mil alfaiates (Recurvirostra avosetta, aves limícolas migratórias, emblemáticas da Reserva Natural do Estuário do Tejo). Daí brotou a peregrina ideia, factível, mas algo utópica, de promover o conhecimento, ministrado nas escolas e não só, sobre todos, mesmo todos, os habitantes existentes no concelho, fossem eles pessoas, animais, plantas e restantes seres vivos. A ideia, não passou disso, mas veio agora à baila porque entendo cada vez mais convictamente que, para defender, preservar, proteger e aproveitar o que a natureza nos proporciona, é preciso conhecer e só depois agir sabiamente.
No encadeamento dos pensamentos surgiu-me a palavra
globalização, termo que reduz o mundo multifacetado em que nos soe viver, num
sistema unitário adaptativo, sem fronteiras, em que os problemas de uns são
preocupações de todos. Em séculos passados os europeus foram para a África e
para outros continentes e atualmente são os africanos e asiáticos que chegam à
Europa e colmatam a baixa natalidade no velho continente. O mundo revela-se
assim em constantes misturas, movimentações e compitas que gradualmente o transformam.
O que sucede com as pessoas sucede também com o a botânica como adiante
tentarei demonstrar.
A vegetação que hoje prolifera no nosso país é
substancialmente diversa da que existia outrora. Variadas espécies colonizaram
vigorosamente os solos, minimizando ou irradiando as plantas autóctones num processo
continuado. Vejamos as mais proeminentes que migraram do sul do continente
africano, onde o clima se assemelha ao da região mediterrânica: o chorão (Carpobrotus edulis), a canária (Oxalis-pes-caprae) e a erva-gorda (Arctotheca calendula), a protagonista
desta croniqueta. Elas instalaram-se, medraram e naturalizaram-se. Atualmente
quase ninguém sabe que vieram de longe.
A erva-gorda, conhecida também como erva-da-atalaia,
margarida-africana ou erva-do-cabo, integra a prolífera família das Asteraceae. É uma herbácea rasteira que
cresce em solos arenosos, reproduzindo-se por semente ou vegetativamente,
através de uma rede de estalões subterrâneos. Tem um grande potencial invasivo
e os seus estolhos rapidamente se espalham, ameaçando a delicada flora dunar dos
litorais, não só em Portugal, mas igualmente em Espanha onde a vimos viçosa na
Cantábria (Comillas) e na Galiza (praia de Cangas de Morrazo). Segundo o interessante livro “Fleurs du
Maroc” de Francis Collin ela, curiosamente, era inexistente nas costas
marroquinas antes de 1980, mas agora lá está como das espécies mais
predominantes. Pelas consultas efetuadas verifica-se que esta invasora já se
acha também naturalizada na Califórnia, Austrália, Nova Zelândia, Chile e
Argentina.
Aguçando a curiosidade relativamente ao vocabulário botânico,
transcrevo um extrato da página 580 da edição de 1947 da Flora Portuguesa,
de Gonçalo Sampaio que a designa por Arctotis
calendulacea: “aquénios com papilho
de pequenas escamas escariosas densamente viloso-lanuginosos; capítulos com as
flores centrais escuras e as periféricas liguladas, sulfúreas; folhas todas
basilares tomentosas na página inferior e puberulentas na superior”.
Resumindo: a erva-gorda cresce em rosetas, possui folhas
lobuladas ou profundamente dentadas, cobertas por pelos brancos lanosos,
especialmente na parte inferior. Também os caules, que chegam a atingir quase
meio metro de comprimento, são peludos. Os frutos são cípselos igualmente
bastante lanosos. As flores, de pétalas
amarelas, apresentam o centro do capítulo de coloração negra o que facilita a identificação
da espécie.
A planta é termófila, isto é, precisa de ambientes soalheiros,
não resistindo às geadas. Por isso, só na primavera é que a vemos viçosa e
intensamente florida.
Para que é que presta a erva-gorda? Aparentemente só para
chatear porque ainda não se descobriram as hipotéticas utilidades desta planta,
classificada em Portugal como invasora. Lembro-me bem, quando petiz, da insistente
recomendação dos meus pais para não dar erva-gorda aos coelhos, porque eles
inchavam e depois morriam. Penso que tal fosse pelo facto de as folhas terem
abundantes pelos. No entanto, os bovinos comiam-na, sem problemas.
A planta ostenta uma beleza singular, pelo que nalguns países
nórdicos a sustentam como atraente espécie ornamental.
Repesquei, já não sei onde, que, algures em Espanha, há quem
a utilize para aliviar transtornos estomacais, mas não posso confirmar se isso
corresponde à verdade.
Para finalizar a croniqueta e tendo em conta a convicção
pessoal de que todas as plantas serão úteis, adita-se que ela foi redigida para
suscitar ajudas dos investigadores botânicos e demais cientistas. Solicita-se
que analisem e estudem para detetar hipotéticas utilidades suscetíveis de serem
captadas nesta erva tão abundante em vastas regiões.
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