A Escola Comunitária de Alcochete, fundada nos anos 70 do passado século, é bem a precursora das chamadas universidades seniores que alegremente alastram hoje em dia por quase todo o País, suscitando partilhas e divulgação de conhecimentos.
Na Escola Comunitária cada um transmite as suas experiências, fomentando convívios e solidariedades.
Um dia destes, no seguimento de muitos passeios culturais que vem organizando com os apoios da Casa do Povo e da Câmara Municipal, foi decidido viajar até Campo Maior. O principal objetivo era a visita ao muito badalado Centro de Ciência do Café do Comendador Rui Nabeiro, figura grada na região e não só.
Valeu a pena a visita pelo que vimos e aprendemos sobre uma cultura e um negócio dos mais importantes à escala mundial. Trata-se de um museu moderno, tecnicamente bem apetrechado, interativo e esteticamente atraente, o qual vivamente se aconselha a todos os leitores desta modesta croniqueta.
Valha a verdade que vos diga que neste meu “vício” de escrevinhar sobre vegetais úteis, apenas tenho escolhido plantas que vicejam na nossa praça e que conheço razoavelmente. Neste caso, abre-se uma exceção, pois o género Coffea L, da família das Rubiáceas é um arbusto tropical que não medra no nosso clima, mas a sua importância social, cultural e económica é verdadeiramente cosmopolita. Não obstante, podemos apreciar uma plantação em estufa no próprio Centro da Ciência.
Vi cafezeiros pela primeira vez em São Tomé e Príncipe, numa fugaz visita a uma roça e logo me impressionou a beleza das plantas com as suas folhas verdes escuras bem lustrosas, as flores branquinhas muito aromáticas e, noutra ocasião, os frutos vermelhos, assemelhando-se, pela forma, a lindas cerejas. Observei-os também no Brasil, principal produtor mundial. A este propósito, jamais esqueço uma curiosa afirmação do engenheiro agrónomo goês e meu amigo, Fernando do Rego, quando com ele confraternizei em Pangim:
- os Portugueses trouxeram o caju do Brasil para a Índia e agora somos o principal produtor mundial. Em contrapartida, levaram o cafezeiro da Índia para o Brasil que é hoje quem dita as cartas desta cultura, verdadeiro expoente da globalização planetária.
Eis algumas frases curiosas colhidas no Centro da Ciência:
- O café, oriundo da Etiópia e países adjacentes, é uma cultura que se dá nas regiões que formam a “barriga do mundo”.
- Um gole de café banha os espíritos deprimidos e eleva-os para além dos sonhos mais sublimes (John Milton).
- O café é um bálsamo para o coração e para o espírito (Giuseppe Verdi).
- O café apaixona-me como se fosse um fogo lento, sem chama, que não queima, mas que preenche e acelera todo o ágil sangue nas minhas veias (José Marti).
- A Finlândia é o principal consumidor “per capita”.
- Atualmente o segundo produtor mundial é o Vietname.
Não esperem os leitores que venha aqui aprofundar tudo o que respeita ao café, nem que bote opinião rigorosa sobre as milhentas controvérsias à volta dos potenciais benefícios e/ou malefícios desta bebida confecionada com grãos torrados. Como já tenho dito, em fitoterapia não há absolutismos. O bem ou mal proporcionado pelas plantas depende fundamentalmente do grau de compatibilidade existente entre a pessoa e o respetivo vegetal.
Ora o café é extremamente complexo. O grão, antes de ser torrado, possui 100 compostos voláteis. Aliás, está agora em moda o uso do café verde para os processos de emagrecimento, porque alguém concluiu que ele reduz a absorção de açúcares e gorduras acumuladas.
Sobre a confeção da bebida, há imensas teorias e práticas no que concerne ao sabor, ao prazer e aos efeitos que provoca na saúde dos bebedores. Em primeiro lugar, temos a colheita e a conservação que têm de ser criteriosas. Depois vêm os processos de torrefação e o “blend”, isto é, a mistura entre os géneros mais conhecidos: o arábica e o robusta. A seguir, há que ver como se processa a fervura e a escolha entre a simples “bica”, o “carioca”, o descafeinado, o expresso e muitas outras modalidades de apresentação.
Entre os aspetos potencialmente negativos da bebida, salientamos os seguintes:
- A adição de açúcar (Portugal é dos países onde as saquetas contêm maior quantidade de açúcar).
- A existência de alcaloides, um dos quais poderoso, a cafeína, que é uma droga e causa habituação.
- A concentração de cafeína é maior nos cafés “expresso”, que em Itália é spremuto ou seja, espremido, país onde o processo foi inventado. De referir que a cafeína chega às células do corpo em menos de 20 minutos e aumenta a influência do neurotransmissor dopamina.
- A ação diurética compulsiva e a redução da taxa dos neurónios.
- A acidez do café provoca maior secreção de ácido clorídrico e, por via disso, pode causar gastrites, irritações nos intestinos e colites.
- O nervosismo e a perda de sono.
Como propriedades benéficas, apontam-se as seguintes: analgésica, cardiotónica, depurativa, digestiva, diurética, estimulante, excitante, revigorante intelectual, sudorífera, dilatadora dos brônquios, auxiliar no tratamento da diabetes (sem açúcar, obviamente), inibidora de Parkinson e de Alzheimer.
A minha conclusão é que não devemos levar à letra tudo o que se diz sobre os benefícios do café que é, não nos esqueçamos, um produto mercantil, cotado na bolsa de Nova Iorque e altamente lucrativo.
Julgo que quem não sentir efeitos adversos, poderá beber um café por dia para estimular a sua produtividade pessoal, sem prejuízos de maior.
Os brasileiros não conhecem o termo pequeno-almoço, preferem o café-da-manhã, que evidencia bem a popularidade que a bebida atingiu.
E, por ora, embora o universo do café seja vastíssimo, mais não digo!
(texto da autoria de Miguel Boieiro, Vice-presidente da Direção da SPN)
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