quarta-feira, 7 de junho de 2023

Boldo-brasileiro

Um destes dias veio-me parar às mãos um saquito de plástico com reluzentes castanhas. A embalagem tinha afixado um pequeno autocolante especificando as características do produto as quais já se me varreram da memória, com exceção da que se referia ao país da origem das tais castanhas: o Chile. Por breves momentos pensei se não viriam da Praça do Chile? Mas não, que disparate! 



Era mesmo daquele país longínquo de acentuada latitude, que se configura numa comprida faixa que começa em terrenos tropicais e, através de montanhas andinas e desertos, alcança os gelos eternos a caminho do polo sul. Era mesmo do Chile, esse simpático país onde se luta tenazmente pelas liberdades e pela democracia que nada tem a ver com a pseudodemocracia que lhe quer impor o poderoso vizinho da América do Norte. Bom, mas essa é outra história e o seu enredo daria pano para mangas, saindo completamente do contexto desta croniqueta. Queria tão-somente chamar a atenção para este exemplo bem ilustrativo das desnecessárias “pegadas ecológicas” que enxameiam os negócios mercantil-consumistas da celebrada economia liberal a reger o nosso confuso tempo.

Vários amigos vêm insistindo para que este escriba aborde uma planta chilena com reconhecido mérito no campo da fitoterapia e essa terá mesmo que ser importada do Chile porque, ao contrário das castanhas, ainda não a podemos produzir no nosso cantinho. Falo do boldo, ou seja, do Peumus boldus que é um poderoso estimulante da secreção da bílis e utilizado em variadíssimas aplicações fitoterápicas. Todavia, seguindo a regra que me impus, só escrevo de plantas com as quais contacto e após com elas dialogar, pedindo-lhes autorização para descrever as suas intimidades. Ora eu jamais vislumbrei o boldo-chileno mas, em contrapartida, conheço razoavelmente o boldo-brasileiro. Vamos lá então!

O boldo-brasileiro, cientificamente designado por Plectranthus barbatus (plectron significa “esporão” e anthos significa “flor” e provêm da língua grega, já barbatus deriva do latim e quer dizer “peluda”) da família das Lamiaceae, é um arbusto de origem tropical, perene e muito resistente, que pode atingir 2 metros de altura, não tendo qualquer parentesco com o outro boldo que é uma árvore e pertence a diferente família botânica.

No meu quintal tenho um vigoroso boldo-brasileiro que se adaptou bem ao clima, resistiu admiravelmente à secura do estio e já em fins de novembro, ganhou novo viço com as chuvas outonais, ostentando, garboso, ramalhetes de lindas florinhas azuis.

Para que presta este boldo? Perguntarão! Antes de mais, é um belo arbusto que enobrece qualquer jardim, não necessitando de grandes cuidados, mas é igualmente uma reputada planta medicinal, como vamos ver.

Possui caule suculento e tomentoso. As folhas são aromáticas, perenes, ovado-oblongas, grossas, aveludadas, simples e opostas com margens em serrilha e compridos pecíolos. As pequenas flores surgem aos cachos e são azuladas, como já se disse.

  • Constituintes principais: óleo essencial de estrutura complexa, mucilagens, flavonóides, tanino e hidrocarbonetos terpénicos.
  • Propriedades: tónica, levemente hipnótica, analgésica, anti-inflamatória, antiviral, antibacteriana, antioxidante, diurética, carminativa e hipotensora. Utiliza-se para estimular a digestão, combater a azia, os problemas gastrointestinais, os espasmos intestinais e as dispepsias.

É também apontado como panaceia para males do fígado (hepatites, cálculos biliares), obstipação, insónia, ressaca alcoólica, problemas de pele, queda de cabelo, dores de dentes, gengivites, dores musculares, problemas cardíacos e até malária.

No Brasil, onde a planta está, há muito, naturalizada (julga-se que foram os escravos africanos que lá a introduziram), é uma componente essencial da medicina popular, sendo das espécies mais citadas em trabalhos de etnobotânica e objeto de continuados estudos científicos.

A medicina ayurvédica usa os seus princípios ativos para doenças cardíacas, convulsões, distúrbios digestivos e urinação dolorosa.

O “chá”, para beber duas ou três vezes ao dia, é preparado com o infuso de 20 g de folhas num litro de água. Há também quem recomende a alcoolatura a partir de 20 g da planta fresca mergulhada duas semanas num decilitro de álcool para tomar em diluição 30 gotas por dia. Quanto às insónias, efetuar, antes de ir para a cama, banhos de pés na água da fervura das folhas.

  • Uma precaução final: o boldo brasileiro tem um sabor bastante amargo e deve ser usado com interrupções. Não convém tomar simultaneamente com medicamentos depressores ou anti hipertensores. 


(texto da autoria de Miguel BoieiroVice-presidente da Direção da SPN)



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