quarta-feira, 26 de julho de 2023

Festivais de verão: no caminho da sustentabilidade ou ainda não?

Investirmos na sustentabilidade do planeta é a única solução para termos um local para viver no presente e deixar uma boa herança às gerações vindouras. 


Os governos dos países mais desenvolvidos, as organizações não governamentais e as grandes empresas desdobram-se em conferências e encontros, no sentido de tomar decisões a médio e longo prazo, para tornar o planeta Terra habitável para todas espécies. No entanto, temos cometido vários atentados ao planeta, em diversas frentes. Vamos a alguns números…

Em 2022, foram produzidos 300 milhões de toneladas de plástico, mais de 3% do que no ano anterior. Vários milhões destas toneladas vão parar a rios e oceanos. A quantidade de plástico produzida acarreta também a emissão de gases com efeito de estufa na ordem das gigatoneladas. E mais! O plástico até já é inalável na forma de microplástico – inalamos 5 gramas de microplástico, o equivalente a um cartão bancário! Já foi encontrado microplástico em análises sanguíneas, e neste momento nem conseguimos avaliar o perigo que isso pode constituir para a nossa saúde.

E o que se passa com a água disponível? A UNESCO divulgou no dia 22 de março de 2023, o relatório mundial “Parcerias e cooperação para a água”. Os dados apresentados mostram que dos 8 biliões de habitantes, 26% da população global não tem acesso a água potável equivalendo a 2 biliões de pessoas. 3,6 biliões de pessoas não têm acesso a saneamento seguro. 910 milhões de pessoas em 2016 já enfrentavam a escassez de água a nível urbano, e este número pode escalar até 2,4 biliões até 2050.

A sustentabilidade é um dever de todos - pessoas singulares, micro e macro empresas, entidades públicas - e passa por pela soma de pequenos gestos, que se forem efetuados de modo contínuo, vão trazer benefícios.

Os festivais de música no verão acontecem em todo o lado em Portugal. São algumas dezenas, mas os 10 de maior envergadura, acontecem entre maio e setembro. Com cartazes muito atrativos, envolvendo vários dias de atividades e concertos, decorrem em recintos de grandes dimensões, com capacidade para receber em cada dia milhares de pessoas.

Multidões num mesmo local, geram sem sombra de dúvida impacte ambiental, e os produtores destes festivais têm vindo a investir na sustentabilidade e na informação dos festivaleiros.

Será que conseguem ser mesmo sustentáveis? Há já medidas muito positivas e tudo isto se passam em Portugal, quer em festivais urbanos ou localizados em zonas mais interiores:

  • proteção de arribas costeiras e dunas, nos festivais realizados na praia ou próximo dela;
  • bilhetes eletrónicos;
  • doação de sobras alimentares a famílias carenciadas;
  • embalagens de comida biodegradáveis;
  • disponibilização de pontos de água potável dispersos pelo recinto;
  • aumento da triagem do tipo de lixo a reciclar;
  • copos reutilizáveis;
  • chuveiros ecológicos (reduzem a quantidade de água a 5 litros pode duche);
  • depósito de beatas em locais específicos;
  • sanitários ecológicos (sem uso de água, e adicionando aos dejetos matéria orgânica seca, num processo denominado por compostagem termofílica*);
  • uso de baterias elétricas em vez de geradores a diesel para a produção de energia;
  • incentivo ao uso de bicicletas ou alteração de horários dos transportes públicos para evitar ao máximo o uso de carros pessoais;
  • reutilização de materiais de edições anteriores, como equipamentos, cenários e decorações.

Estes exemplos são já um enorme passo para uma mudança que ser quer global e consciente.

Obviamente que ainda há muito a fazer. Vejamos o caso dos copos, o material utilizado em maior quantidade. Basta um copo reutilizável por pessoa para uma noite inteira, representando um bom decréscimo de utilização de recursos naturais. No entanto, os festivais vivem muito da imagem e da publicidade, e por isso, produzem um copo diferente todos os anos com um novo design e a data do evento. Os organizadores poderiam deixar de colocar datas, fazendo aumentar a vida útil desse copo, permitindo que fosse levado pelos festivaleiros anos consecutivos até se estragar. Outra solução, seria pagar uma caução a devolver à saída do festival com a entrega do copo. Tudo isto, porque um copo reutilizável só é ecológico quanto mais reutilizações tiver. Se comprarmos um copo para usá-lo uma só vez, isso pode ser considerado greenwashing*.

É sabido que a organização de um festival implica o apoio de patrocinadores, que querem estar bem representados no recinto, uma vez que isso lhes traz notoriedade e retorno em dinheiro. Mas é aqui que a aclamada sustentabilidade perde pontos. Todos os stands dos patrocinadores, distribuem centenas de brindes durante o festival, desde bancos insufláveis, fitas porta-chaves, balões, mini embalagens de gel de duche ou desodorizante, canetas, etc. Todo um manancial de merchandising muito pouco verde!

Por outras partes do mundo há iniciativas mais vanguardistas que devemos ponderar seriamente em adotar, como pratos comestíveis e pistas de dança com placas que são plataformas que geram energia ao dançar sobre elas e acopladas a painéis solares.

O caminho é longo para sensibilizar a sociedade, mas a mudança já é notória e a criação de uma consciência ecológica tem de ser uma bandeira que deve estar sempre hasteada. Os festivais acabam por ser eventos onde se pode mobilizar um grande grupo de pessoas, num ambiente de festa e descontraído.

Agora toca a aproveitar o que ainda falta do verão, com muita música a ritmar a vida e a melodias a abraçar o planeta!

*compostagem termofílica – consiste na mistura dos dejetos com materiais orgânicos secos (serradura), e sua colocação ao sol a 65ºC, para descontaminar por esterilização os agentes patogénicos. Passados quatro meses, esta mistura está pronta para ser utilizada como fertilizante orgânico.

*greenwashing – pode ser definido como uma prática de camuflar, mentir ou omitir sobre os reais impactos de uma determinada ação de cariz ambiental.


(texto da autoria de Sandrina Martins)


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