Aproveitando a tradicional quentura e luminosidade das longas
jornadas de julho, realizou-se mais um Festisal na Fundação das Salinas do
Samouco (Alcochete).
Já vamos na 4ª edição deste festival que cada vez atrai mais visitantes àquele complexo ambiental de cerca de 360 hectares onde afanosamente se presta culto à pródiga natureza. Neste ano da graça de 2023, notou-se uma nítida melhoria organizativa. A multiplicidade das atividades desenvolvidas encantou todos os que foram seduzidos pelo evento e acabaram por dar por muito bem empregue o tempo despendido.
Sem desprimor para as visitas guiadas, demonstrações,
exposições, jogos lúdico-didáticos, mercadinhos, “showcookings” e para a
constante animação que, nesse dia 22 de julho, reinou no Palácio dos
Pinheirinhos e suas imediações, queremos dar uma nota especial à notável
apresentação do projeto “Halo Farms – Agricultura do Futuro”.
Tal projeto, da iniciativa de três jovens investidores,
pretende promover a sensibilização para o aproveitamento de solos salgadiços
com destino à produção de plantas halófitas para fins alimentares,
fitoterápicos, industriais. Visa igualmente o aproveitamento de bio resíduos,
em economia circular e atingir finalidades científicas, alimentares, educativas
e ambientais que se perfilam de grande utilidade e valia.
Como é sabido, Portugal detém avantajadas áreas ribeirinhas
inadequadas para a produção agrícola tradicional, visto que a aridez dos solos
e a penetração das cunhas salinas nas toalhas freáticas não a permite. Todavia,
há vegetação endémica que bravamente resiste às adversidades climatéricas e
medra viçosa em antigas salinas e esteiros invadidos pelas águas marinhas. São
as chamadas plantas halófitas. A pouco e pouco, tem- se estudado a composição
dessas plantas no tocante aos seus peculiares componentes químicos, chegando-se
à conclusão que, a maior parte das espécies são edíveis e podem ter um papel
importante em alimentação saudável e racional.
Insistentemente, este modesto cronista, vem, há algum tempo,
a procurar sensibilizar os decisores para o aproveitamento gastronómico de
várias espécies que abundam nos salgados do Tejo. A este propósito, já foram
publicados breves textos sobre a salicórnia (Salicornia
bigelovii), a setembrista (Aster
tripolium), a salgadeira (Atriplex
halimus), a inula (Inula crithmoides)
…, mas a lista das halófitas é bem mais vasta.
Estimulado pelo oferecido livrinho “Halo Farms – Agricultura Halófita”, dos biólogos Ricardo Coelho,
Mauro Hilário e Hugo Mariano que, em português e inglês, descrevem os trabalhos
efetuados numa parte do barlavento algarvio, chegou agora a vez de elaborar uma
singela croniqueta sobre a salsola (Salsola
vermiculata).
Sobre a classificação desta proeminente halófita que abunda
nas zonas costeiras da região mediterrânica, norte de África e Ásia menor,
parece que os eminentes cientistas ainda não se entenderam. Uns agrupam-na na
família das Chenopodiaceae e outros
remetem-na para as Amaranthaceae.
Como é um assunto que extravasa a lavra do cronista, foquemos apenas alguns
aspetos mais “terra-a-terra”.
A salsola forma um arbusto perene muito ramificado e porte
irregular que pode ultrapassar um metro de altura. Tem tronco gretado com casca
acinzentada e pequenas folhas alternas mais ou menos cilíndricas e
escamiformes. As flores, de amarelo pálido, destituídas de pétalas, aparecem
solitárias na axila das folhas, agrupadas em espigas curtas. Os frutos são
aquénios e as pequenas sementes, dado à sua leveza, são facilmente espalhadas
pela ventania, propagando a espécie.
Os arbustos da salsola são lenhosos e muito resistentes.
Suportam intempéries, ocupam solos salinos áridos e semiáridos, não
necessitando de quaisquer cuidados humanos. Travam com eficácia a erosão dos
solos, podendo substituir com vantagem plantas exógenas como os chorões e as
acácias. Tendo em conta a sua independência e versatilidade, há quem os utilize
como espécie ornamental.
Análises químicas detetaram na folhagem altos teores
proteicos e concentração de sais orgânicos de sódio e de potássio. A existência
de carbonatos alcalinos proporcionou, outrora, a sua utilização na indústria do
vidro e do sabão. As próprias cinzas eram frequentemente usadas para branquear
a roupa (barrela).
A riqueza proteica da salsola propiciou a sua introdução em
várias regiões semidesérticas africanas e asiáticas para fornecer forragem aos
camelos, bovinos e caprinos.
Diz-se, no entanto, que a sua introdução na Califórnia deu
maus resultados pois a espécie tornou-se invasora, prejudicando as culturas.
Por fim e com a devida vénia, transcrevemos, a propósito, o
que se encontra redigido no precioso “Halo Farms”, atrás citado: Esta planta tem folhas e sementes
comestíveis, com propriedades diuréticas, de regulação da pressão arterial e
foi utilizada em cestaria e produção de cordas.
Vamos aproveitá-la?
(texto da autoria de Miguel Boieiro, Vice-presidente da Direção da SPN)
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