“Em se plantando, tudo dá”, frase retirada da admirável
crónica do achamento das terras de Vera Cruz de Pero Vaz de Caminha, que é
também o título de um interessante livro do jornalista Mylton Severiano e da
educadora Katia Reinisch, integrado na coleção
Brasil – Almanaque de Cultura Popular.
Nesse trabalho, que se lê com
sofreguidão, os autores expõem com muita graça, com humor mesmo, 20 plantas que
identificam o Brasil:
Ipê-amarelo, pau-brasil, cana-de-açúcar, mandioca, açaí, cacau, café,
banana, seringueira, milho, araucária, castanheiro-do-Pará, amoreira, cupuaçu,
maracujá, uva, batata, feijão, goiaba e orquídea.
É pena tal obra não se
encontrar ainda à venda em Portugal.
Não cabe aqui desenvolver o conteúdo do livro que comprei por
10 reais na cidade de Parnaíba (Piauí). Fica apenas o registo introdutório para
suscitar a apetência dos leitores.
A viagem efetuada ao Brasil, com digressões nos estados de
Piauí, Ceará e Santa Catarina, realizou-se na segunda quinzena de janeiro, correspondendo
ao tempo quente no hemisfério sul. Apoiado por dedicados amigos e excelentes
cicerones, logrei alargar conhecimentos em diversas áreas. Pretendo agora
partilhá-los com os leitores, pedindo desde já desculpa por erros e inexatidões,
visto que nos campos da botânica, da fitoterapia, e vá lá, no da gastronomia,
não passo de um curioso amador.
Posto isto, irei, de seguida, enunciar frutas, plantas comestíveis (ou bebíveis), árvores e ervas medicinais que experimentei, ou foram-me dadas a conhecer, durante os 16 dias em que permaneci no Brasil.
Mamão (Papayo carica papaya)
Foi uma das melhores frutas que saboreei. Doce, macia e
digestiva. É rica em licopeno, possuindo muitas vitaminas e sais minerais com
destaque para o potássio.
Carambolas (Averrhoa carambola)
O meu amigo esperantista João Batista tinha uma árvore em plena produção no seu quintal. Já as tínhamos provado na China mas mais ácidas do que estas que comemos em Teresina. Ana, esposa do João, confecionou com elas uma magnífica compota.
Bananas (Musa sapientium)
Gengibre (Zingiber officinalis)
É planta de comprovadas virtudes medicinais. Logo à chegada, Ana preparou-nos uma infusão de gengibre com limão, cujo agradável sabor não me sai da memória. No final da estadia em Teresina ofereceu dois rizomas já com rebentinhos que me atrevi a plantar quando cheguei a Portugal. Provavelmente nada conseguirei porque o gengibre é reconhecidamente uma espécie dos climas tropicais.
Noni (Morinda citrifolia)
No quintal dos
nossos amigos havia também duas robustas árvores a produzir nonis, esses frutos
que, segundo pesquisas laboratoriais, parecem ser a panaceia para inúmeros
males. Comi uma papa, para experimentar, feita a partir da sua polpa. O cheiro
e o sabor eram nauseabundos, mas se são bons para a saúde …
Acerola (Malpighia emarginata)
É outra fruta afamada com propriedades tonificantes e estimulantes. Dizem que é o expoente máximo da vitamina C.
Pitangueira (Eugenia uniflora)
Esta, eu já conhecia quando estive na Madeira. A árvore é pequena e os frutos (pitangas) são drupas carnosas de cor vermelha.
Coqueiros-babaçu (Orbignya phalerata)
Palmeiras Carnaúba (Copernicia prunifera)
Polivalentes palmeiras que exundam uma cera dura com múltiplas
aplicações. Antigamente fabricavam-se com ela os discos musicais LP. A palha dá
para fazer vassouras e revestimentos dos edifícios (telhados) e a madeira é
excelente para o travejamento das habitações.
Cafézeiro (Coffea
arabica) – Café de jacu
Como se sabe, o Brasil é o principal produtor de café, com um
terço da produção mundial. O cafézeiro que vimos espontâneo, quando caminhámos
em densa floresta no estado de Santa Catarina, era um arbusto lindo. Folhas de
verde lustroso, pequenas flores branquinhas e frutos vermelhos como cerejas,
são de uma estética perfeita. Gostei do sabor do café brasileiro que, não sendo
demasiado forte, é, em minha modesta opinião, mais agradável do que as “bicas”
que tomamos em Portugal.
Quanto ao jacu,
“segurem-se para não caírem”, como diria um velho amigo. Pois o jacu é um passarinho finório que escolhe
e papa os melhores frutos do cafézeiro. Defeca depois os grãos (sementes)
intactos ao pé dos arbustos. Tais grãos são colhidos manualmente, secos, limpos
e guardados. Após um período de descanso, são enfim torrados para consumo. Este
café é bastante mais caro por causa da mão-de-obra humana, pois a dos jacus é,
obviamente, gratuita.
Cajueiro (Anacardium
occidentale)
A bebida que mais gostei nesta digressão foi a cajuína, ela é também o ex-libris do Piauí. É feita com o suco
da fruta do cajueiro, tem cor dourada, é doce quanto baste e não é gaseificada.
Se fosse exportada para a Europa teria grande saída, mas infelizmente a
quantidade produzida nem sequer chega para abastecer o Brasil. Em Santa Catarina
já não a encontrei.
Os portugueses levaram o caju do Brasil para a Índia e agora este país é o maior produtor mundial. Em Goa, onde estive há anos, destila-se o suco formando uma bebida alcoólica muito apreciada chamada feni. Os brasileiros desconhecem o feni, mas idolatram a cachaça e os indianos não sabem da cajuína. Em contrapartida, os nossos antepassados introduziram o café oriundo da Índia nas terras de Vera Cruz e o Brasil tornou-se o maior produtor do mundo.
Mas voltemos ao cajueiro. Havia uma árvore no quintal dos
nossos amigos. O quintal era pequeno mas tinha várias árvores valiosas
confirmando a asserção “em se plantando tudo dá”. Só a castanha do caju,
riquíssima oleaginosa, é vendida na Europa, A minha esposa costuma comprá-la a
um preço elevado nas lojas indianas sitas no Largo do Martim Moniz (Lisboa).
Utilizámo-la como proteína nos menus vegetarianos. No Piauí ela é,
naturalmente, baratíssima.
Obras consultadas:
“As plantas medicinais
e a enfermagem – a arte de assistir, de curar, de cuidar e de transformar os
saberes” de Lis Medeiros e Ivone Cabral, Editora Gráfica da UPFI –
Teresina- 2002;
“Plantas terapêuticas”
de Sérgio Filho, Organização Andrei Editora, São Paulo, 2004;
“Em se plantando, tudo
dá” de Mylton Severiano e Katia Reinisch, Editora Leitura, Belo Horizonte,
2009;
“O tratamento através
das plantas medicinais” de Chantal de Rudder, Editora Rideel, São Paulo,
s/d;
“50 Plantas que mudaram
o rumo da História” de Bill Laws, GMT Editores, Rio de Janeiro, 2013.
(texto da autoria de Miguel Boieiro, Vice-presidente da Direção da SPN)
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