O cravo é talvez a espécie que, em todo o vasto panorama florístico, agrega, para o universo humano, maior extensão simbológica, chegando a alcançar patamares sagrados.
Na sua singeleza de cor, perfume e estética, os cravos representam ideias, mitos e significados que vão muito para além da sua ornamentalidade.
Depois havia o rebentamento incessante de petardos que fazia lembrar as festividades chinesas da passagem do ano lunar. E havia o fogo que tudo cremava, o fogo purificador que, desde sempre, fascinou a Humanidade e continua produzindo pirófilos e concomitantes desgraceiras criminosas, como bem sabemos.
Mas, e os cravos? Pois os cravos rubros desfilavam também nas mãos de rapazes e donzelas de todas as idades que marchavam garbosos, cadenciados por “pasodobles”. Os ornamentos e as maravilhosas vestimentas mudavam naturalmente de bairro para bairro, mas os cravos não. Eles estavam sempre presentes em todos os grupos. O apogeu dá-se, na praça junto da catedral onde se ergue a imagem da Virgem dos Desamparados, padroeira da cidade. A altíssima figura representando uma atraente dama que se reputava virgem, estava toda cravejada de alto abaixo, ostentando um esplendoroso vestido rodado, atapetado por muitos milhares de cravos vermelhos e brancos. Ao redor predominavam as oferendas com flores variadas mas, quem ali mandava eram os cravos.
Já com a alma lavada por tanta beleza, dei por mim a refletir. Saberão os humanos que as flores incluem os órgãos sexuais das plantas? Ora, ao cortá-las, não estão a impedir a reprodução e proliferação das espécies?
Dúvida inquietante que só se dissipa quando nos lembramos que a botânica, já há milhões de anos, usa a mestria da clonagem, enquanto o soberbo reino animal, pretensamente superior, só agora parece estar a aperfeiçoar tal técnica reprodutiva.
Antes de avançarmos na descrição do craveiro, não podemos esquecer que o cravo, flor nacional em Espanha, Mónaco e Eslovénia, constitui, também em Portugal, um símbolo forte e inolvidável por estar relacionado com a luta dos trabalhadores por melhores condições de vida e, especialmente, com a nossa Revolução de 25 de Abril, que, no ano presente, comemora o seu cinquentenário. Viva pois a Revolução dos Cravos!O craveiro, designado cientificamente por Dianthus caryophyllus, pertence à família botânica das Caryophyllaceae e é uma herbácea dotada de folhas glaucas, lineares, estreitas e opostas que surgem embainhadas. Como em muitas espécies, as folhas basais são mais largas do que as caulinares. Os caules, semi-lenhosos e esguios, chegam a atingir 1 metro de altura.
As encantadoras flores brotam pedunculadas no cimo das hastes e apresentam-se em panículas de múltiplas pétalas delicadas com coloridos vibrantes e forte fragrância.
Não se tem a certeza do local da origem da planta mas, sabe-se que o seu cultivo tem sido muito intenso nos últimos dois milénios, tornando o cravo uma das mais apreciadas flores de corte de todo o mundo.
Existem para cima de 300 cultivares em resultado da engenharia genética que possibilita a obtenção de cravos vermelhos, amarelos, brancos, rosados e até verdes e azuis. As tonalidades podem, inclusive, integrar misturas de cores. Os cravos são hermafroditas mas, a sua reprodução dá-se, quase sempre, por hibridismo em processos geneticamente modificados.
Julga-se que a púrpura rosada era a cor original dos cravos espontâneos na natureza com duração anual, todavia, pela manipulação incessante é agora possível obter craveiros bienais e perenes com capacidade para emitir flores várias vezes durante o ano, em constante refloração.
O craveiro é de fácil cultivo, gosta de sol e dá-se melhor em terrenos férteis e drenados, se bem que o género Dianthus (cravinas), que possuímos espontaneamente em Portugal, prolifera, por vezes, em declives pedregosos.
Curiosamente, o “site” Flora-on identifica, no nosso País, 9 espécies de cravinas, todas elas com 5 pétalas distendidas e não enroladas.
Quanto ao domínio da beleza e do simbolismo social, cultural e político, já estamos conversados, mas que dizer dos atributos fitoterápicos da “flor divina”, como lhe chamava Teofrasto? Atualmente, a importância comercial dos cravos tem a ver, quase exclusivamente, com a sua ornamentalidade mas, em tempos antigos, quando o Homem só dispunha dos recursos da natureza para aliviar os seus males, os cravos tinham um lugar de destaque.
Às pétalas do cravo eram atribuídas propriedades sudoríferas, antibióticas, antifúngicas, sedativas e tranquilizantes. Em medicina popular usava-se a infusão das flores para aliviar debilidades coronárias, pressão arterial, transtornos digestivos, nervosismos, tonturas, vertigens, tosses, dores de dentes…
Consta-se que, ainda hoje, os chineses, elaboram tisanas baseadas nas pétalas secas para efeitos medicinais.
Esfregando as flores nas partes do corpo martirizadas pelas picadas dos insetos, consegue-se imediato alívio pela diminuição do prurido.
O cravo é também um bom agente para repelir formigas.
Há ainda a referir o óleo essencial que entra na produção de perfumes, sabonetes e outros produtos.
A fragrância dos cravos plantados em meio natural sem fito-químicos é bastante superior aos provindos das estufas industrializadas.
As pétalas dos cravos são comestíveis e alindam de sobremaneira a apresentação dos pratos. Cuidado, porém! Só as devemos utilizar quando estiverem isentas de tratamentos químicos, o que raramente acontece ao adquirirmos as flores destinadas às celebrações festivas.
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